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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Antigo Centro Escolar Republicano de Loures

2 de maio de 2021
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Celebra-se a 18 de maio o Dia Internacional dos Museus, data instituída em 1977 pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), organismo que integra a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O propósito deste dia é o de incentivar a população a visitar os museus, e é por isso que os mais diversos museus de todo o mundo oferecem um programa especial nesta data, proporcionando a entrada gratuita às suas exposições. Também os museus de Loures abrem as suas portas com eventos especialmente criados para este momento especial.

Os “antepassados” dos modernos museus foram os Gabinetes de Curiosidades que surgiram por toda a Europa, entre os séculos XV e XVII, albergando coleções muito diversas que podiam conter objetos de natureza e origem distintas. De facto, podemos afirmar que o colecionismo e a exibição de coisas raras e/ou preciosas que dele resultavam, se tornou então uma moda por toda a Europa das classes possidentes, como elemento de prestígio. Tudo isso num contexto onde um embrião do espírito científico e a atitude humanista (valorizar o humano a par do divino) se iam ampliando, a par do contacto com novos territórios ultramarinos e diversos povos até então desconhecidos que o expansionismo marítimo possibilitou aos europeus de então.

Com efeito, aqueles gabinetes reuniam tudo o que na altura era considerado raro e maravilhoso: fósseis, minerais, esqueletos, animais empalhados, inventos e máquinas, objetos exóticos de terras distantes, obras de arte, curiosidades de todo o tipo. A par dos gabinetes também surgiram, nessa altura, as Galerias Palacianas dedicadas à exposição de objetos e obras de arte da antiguidade, tesouros e curiosidades vindas da Ásia e das Américas, assim como obras de artistas da época financiados pelas famílias nobres. Estas galerias eram símbolos do poder social e económico dos seus possuidores. Tanto os Gabinetes de Curiosidades como as Galerias não eram destinados ao público em geral, conceito que, aliás, na altura, pura e simplesmente não existia. Pelo contrário, apenas os proprietários abastados e pessoas do seu círculo próximo tinham acesso a estes espaços privilegiados, lugares de contemplação e de certo recolhimento, ligados a uma postura elitista.

Progressivamente assistiu-se a uma especialização das coleções dos gabinetes e das galerias, coleções essas que passaram a ser organizadas em função dos progressos científicos dos séculos XVII e XVIII, nomeadamente de acordo com o espírito racional iluminista, mais exigente do ponto de vista da organização e classificação dos espécimes, assumindo estes locais uma nova função, na medida em que passaram a estar direcionados para a pesquisa e ciência nascentes.

Todavia, a noção moderna de museu apareceu durante o período da Revolução Francesa, nos finais do século XVIII, noção que se consolidará durante o século seguinte. No contexto revolucionário francês foram publicados vários decretos que visaram a preservação do património que então passou a ser considerado um bem coletivo. Ou seja, à fúria das classes populares desejosas de destruir os símbolos da nobreza opressora sobrepôs-se a consciência avisada de que eles tinham sido obra do povo, e, portanto, tinham um significado nacional identitário. Assim, o movimento complexo ligado à Revolução Francesa acabaria por utilizar as coleções existentes e convertê-las em propriedade comum, criando os museus públicos e institucionalizando por toda a parte marcos de memória como monumentos e lugares carismáticos. E assim como, à medida que extirpava as velhas delimitações feudais, ia definindo espaços novos, com conotações inovadoras, e até interveio na própria representação do tempo, com a criação de um novo “calendário”, para marcar bem o início de uma nova era.

Em 1792, foi aprovada a criação de quatro museus pela Convenção Nacional Francesa com claros objetivos políticos. O mais importante foi o Museu do Louvre, de 1793, o qual privilegiava as obras de arte de várias culturas e servia para exaltar a civilização e nação francesas, considerada pelas novas elites do país como a verdadeira herdeira dos valores clássicos europeus; o Museu dos Monumentos, em 1795, que enaltecia o passado glorioso da nação francesa; o Museu de História Natural, em 1793, que dava ênfase aos avanços científicos alcançados; e por último, o Museu de Artes e Ofícios, em 1802, que destacava os saberes práticos ligados às várias áreas de atuação técnica usadas pelas populações.

Toda uma nova visão da sociedade, que de aristocrática passou a burguesa, colocou o museu ao serviço da instrução da nação. O museu passou a ser uma instituição que visava difundir o espírito cívico e o orgulho na história nacional, contribuindo para a formação do cidadão através do conhecimento do passado. Deste modo, o museu foi uma instituição determinante, entre outras, para a construção do imaginário que sustentava as ideologias nacionais.

Assim, por toda a Europa as grandes coleções foram sendo abertas a um público generalizado, convertendo objetos vindos desses antigos acervos privados em peças de usufruto geral. Apareceram então, como elementos de prestígio das grandes capitais, museus abertos ao público: em 1753, foi criado o Museu Britânico em Londres; em 1783, surgiu o Belvedere em Viena, apenas para enumerar dois exemplos. Esta realidade multiplica-se ao longo do século XIX, com o aparecimento de muitos outros grandes museus, como o Museu Real dos Países Baixos em 1808 na cidade de Amesterdão, o Altes Museum de Berlim em 1810, ou o Museu do Prado em 1819. Em Portugal destaco a inauguração, em 1868, da Galeria Nacional de Pintura da Academia de Belas Artes de Lisboa, que teve como núcleo fundador as pinturas dos conventos extintos pelo Liberalismo, em 1834. Anterior a esta galeria já tinham sido criadas outras instituições em Portugal, ainda sobretudo ligadas ao ensino, como, por exemplo, o Real Museu de História Natural e Jardim Botânico, na Ajuda, em Lisboa, em 1768.

Aqueles grandes museus europeus reuniram, além das antiguidades nacionais, muitos objetos de coleções provenientes de territórios coloniais do século XIX. A constituição destas coleções estava relacionada com a realização de expedições ditas científicas aos territórios colonizados, com a intenção de conhecer a botânica, a zoologia e a mineralogia dessas regiões, mas também a sua etnologia e arqueologia. O conhecimento, o domínio colonial e a captação de todo o tipo de recursos desses novos territórios são realidades interligadas.

A realidade do museu que encontramos a seguir à Revolução Francesa e durante parte do século XIX correspondia de facto a depósitos organizados de objetos abertos à contemplação do público. Na verdade, o museu, como instrumento de representação, espelho de uma certa memória coletiva e da invenção de uma determinada visão do passado, foi sempre, e é ainda, um processo em constante mutação. Quanto aos museus atuais, eles serão tema da próxima crónica.

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