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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Antigo Centro Escolar Republicano de Loures

3 de abril de 2021
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Como é do conhecimento geral, comemora-se a 18 de abril o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, celebração instituída pelo ICOMOS em 1982 como forma de sensibilizar a comunidade internacional não só para a diversidade daquilo que podemos considerar como património, mas também para a necessidade de garantir os meios indispensáveis à sua salvaguarda e valorização. Selecionei para a presente crónica um edifício localizado no núcleo antigo da cidade de Loures, local onde funcionou o antigo Centro Escolar Republicano de Loures.

O edifício em questão, exemplar da arquitetura residencial, apresenta uma planta retangular de dois pisos, sendo o piso nobre destinado à habitação propriamente dita, e o térreo reservado a duas lojas. Na fachada principal, voltada para a Rua da República, podemos observar duas janelas de sacada e uma central, cunhais e molduras de portas e janelas em cantaria de calcário, bem como varandins com guardas de ferro forjado.

Este imóvel, ligado à história local, está classificado, desde 2011, como Monumento de Interesse Municipal (MIM). Este edifício oitocentista albergou em 1908 o Centro Escolar Republicano de Loures, e terá sido neste local que a Junta Revolucionária de Loures tomou a decisão, a 4 de outubro de 1910, de avançar para os Paços do Concelho onde hasteou a bandeira da República.

Sabemos que o Centro Escolar Republicano de Loures teve em funcionamento duas escolas para ambos os sexos. À semelhança dos outros centros era uma organização privada de natureza associativa, cuja criação e organização tinha sido regulamentada pela Lei de 14 de fevereiro de 1907. Este tipo de organização subsistia através das quotizações dos seus sócios e de doações dos sócios e simpatizantes.

Na altura em que foi criado o Centro Escolar Republicano de Loures, em 1908, funcionavam no concelho de Loures pelo menos duas comissões paroquiais do Partido Republicano, uma em Loures e outra em Sacavém, ambas em articulação com a sede em Lisboa. Pouco tempo depois, em 1911, estas mesmas comissões multiplicaram-se, existindo em várias localidades do que era então o nosso concelho: Loures, Pinheiro de Loures, Sacavém, Bucelas, Lousa, Santa Iria de Azóia, Santo Antão do Tojal, Fanhões, Póvoa de Santo Adrião, Odivelas e Caneças.

Gostaria também de referir que em Sacavém foi criada em 1883 a “Associação Escolar Eleitoral 24 de agosto 1820”, que teve como presidente honorário Sebastião Magalhães Lima, um dos principais vultos do Partido Republicano a nível nacional. A referida associação encerrou as suas funções em 1891. Voltou a ressurgir em 1909, agora com a designação de Centro Escolar Eleitoral Republicano.

Com efeito, à medida que o movimento republicano cresceu, assistiu-se à disseminação por todo o país dos centros republicanos. As suas funções eram muito diversificadas: além da militância política, os centros procuravam promover ações culturais e pedagógicas. Assim, eles assumiram-se como locais privilegiados na luta contra o analfabetismo, pois para os republicanos a “regeneração social” só seria possível através da educação laica, nomeadamente da instrução das classes populares.

Neste contexto, os centros deveriam constituir-se como um instrumento de educação cívica, promovendo os valores da moral laica republicana como os da “liberdade”, “emancipação” e “solidariedade”, contribuindo, assim, para a construção de uma “sociedade mais perfeita e de melhores dias para todos os cidadãos portugueses”. Na verdade, na perspetiva republicana, a elevada taxa de analfabetismo traduzia a decadência cultural da sociedade, sendo a ignorância associada à monarquia e ao clericalismo. Por oposição, à luz dos valores iluministas, o ensino era encarado como fator de progresso para a humanidade.

Outra vertente importante destes centros republicanos foi a organização de conferências, palestras científicas e literárias, sessões de leitura, comícios, visitas a museus e monumentos, entre outras. Estas ações expressavam as conceções partilhadas pela elite republicana e pelos intelectuais da época que defendiam não só o combate ao analfabetismo, mas também a necessidade de fomentar a divulgação dos conhecimentos científicos, bem como a promoção da educação artística e cultural da população em geral.

Com a implantação e consolidação do Regime Republicano os Centros Escolares Republicanos perderam a sua relevância como instrumentos de uma ideologia e de uma prática política e social. Podemos afirmar que na sua maioria tiveram uma existência efémera. Todavia, alguns deles subsistiram em bairros socialmente carenciados e muito deficientemente escolarizados, tendo-se mantido enquanto corpos associativos com importantes funções educativas, culturais, sociais, recreativas e desportivas. Por aqui se vê bem os desígnios democráticos da República, em contraste com os da monarquia vigente até 1910.

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