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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Evocando Uma Doença do Passado Recente: a Tuberculose II

7 de março de 2021
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(continuação da crónica anterior)

Conforme já referi na crónica anterior, a tuberculose foi uma epidemia que atingiu grandes proporções em toda a Europa, especialmente a partir dos inícios do século XIX. Portugal não foi exceção, pois aqui a doença afetou grande parte da população, causando um número muito elevado de mortes. Devido a esse seu impacto, a tuberculose era considerada pelas autoridades um grave problema de saúde pública. Nas últimas décadas do século XIX proliferaram por todo o país instituições destinadas não só ao isolamento dos infetados, mas também à cura destes doentes. Inicialmente o ar puro era a base de todo o tratamento da tuberculose, quer fosse pela estadia em sítios de altitude, os sanatórios de montanha, quer em locais de clima temperado e junto ao mar, os sanatórios marítimos. A preocupação com a doença e o combate ao flagelo começaram a mobilizar não só as entidades governativas, mas também as da sociedade em geral, nomeadamente com o surgimento de associações destinadas a ações filantrópicas.

Neste contexto, a rainha Dona Amélia participou ativamente na luta contra a tuberculose, e logo em 1893 promoveu a criação do primeiro dispensário destinado a crianças, em Alcântara. Pouco depois, em 1899, é criada a Assistência Nacional aos Tuberculosos (ANT) que ajudou a promover inúmeras ações, como indicam os seus estatutos: estabelecer hospícios, asilos e enfermarias para tísicos, de modo a prestar-lhes auxílio e evitar contágios; construir sanatórios para as tuberculoses curáveis; criar hospitais marítimos para crianças escrofulosas ou em perigo de contrair tuberculose; fundar institutos regionais vocacionados para estudar a doença, promover o seu tratamento e o apoio aos doentes e suas famílias; e apoiar o desenvolvimento de meios que pudessem minorar os efeitos da tuberculose na sociedade. Neste sentido, a ANT desenvolveu ao longo dos anos uma intensa atividade de propaganda e divulgação de medidas profiláticas e de combate à doença, bem como uma constante angariação de fundos.

Ainda em 1899 assistiu-se a uma reforma da Saúde Pública, tendo sido criado o Instituto Central de Higiene, com o objetivo de contribuir com a sua ação para a defesa da saúde da população, através de vários propósitos, como a educação (a vários níveis), a formação de pessoal médico e auxiliar, e a investigação. Para este grande objetivo nacional contribuiu decisivamente o empenho do médico Ricardo Jorge (nasceu no Porto em 1858 e faleceu em Lisboa em 1939, tendo sido médico, investigador e higienista, professor de Medicina e introdutor em Portugal das modernas técnicas e conceitos de saúde pública).

Assim, no início do século XX, muitos estabelecimentos destinados ao combate à tuberculose abriram por todo o país. Já em 1890 fora inaugurado o Sanatório Marítimo do Outão, em Setúbal, para cura das tuberculoses ósseas. Um ano depois abriu o primeiro dispensário antituberculoso em Lisboa, na Rua do Alecrim. Em muitos hospitais foram criadas enfermarias só para estes doentes, como por exemplo no Hospital de Rego ou no Hospital de Arroios, ambos em Lisboa. Em 1902 começou a funcionar o Dispensário D. Amélia na Av. 24 de Julho, onde mais tarde se instalou a sede da ANT. Ainda nesse ano a rainha lançou a ideia da construção do Hospital de Repouso para tuberculosos, inicialmente pensado para a zona das Picoas e depois para um terreno mais amplo no Lumiar; essa estrutura só começará a ser edificada em 1904. Por sua vez, no Porto foi inaugurado, também em 1902, o Dispensário Dr. Arantes Pereira e foi adquirido na Areosa um terreno para a futura instalação do Sanatório do Norte. Enfim, no início do século XX proliferou nas principais cidades toda uma rede de cuidados relacionados com o combate à tuberculose, como o Sanatório Sousa Martins na Guarda, ou o Sanatório de Rodrigues de Gusmão em Portalegre, entre outros.

As dificuldades económicas e políticas da Primeira República foram responsáveis por alguma estagnação ao nível da implantação de uma rede de equipamentos de saúde destinados à tuberculose. Nas décadas seguintes procurou-se superar o atraso relativamente aos restantes países da Europa. Conseguiu-se consolidar aquela rede de equipamentos destinados a responder a este flagelo: uma rede nacional de dispensários, distribuídos regionalmente e pelas principais cidades, com funções de profilaxia, diagnóstico e tratamento; uma rede de sanatórios destinados a tratamento de doentes com capacidade de cura ou sintomas de franca melhoria; pavilhões ou enfermarias-abrigo independentes, ou como anexos a hospitais, destinados a doentes crónicos como forma de os isolar da população; e a criação de preventórios para alojamento temporário de crianças, filhos de tuberculosos com o fim de os isolar das fontes de contágio.

Para além da utilização destes estabelecimentos, houve também uma procura por parte dos doentes de casas particulares localizadas em lugares favoráveis ao seu restabelecimento. No caso do concelho de Loures, as zonas de Montachique e de Lousa eram muito procuradas para esse efeito. Assim, além de alguns sanatórios aí existentes, muitos particulares alugavam as suas casas, ou parte das mesmas, a doentes que vinham à procura de ar puro.

Indubitavelmente que a grande mudança veio com a vacinação. Se na fase inicial as medidas se centraram, como já foi mencionado, no isolamento e na profilaxia, a par de fortes campanhas de informação, será na segunda metade do século XX que o combate contra a doença se tornará verdadeiramente eficaz. Embora a vacina tenha sido descoberta em 1921 pelos franceses Calmette e Guérin – conhecida como vacina do bacilo Calmette–Guérin e abreviadamente por BCG - apenas entre 1948 e 1951 se organizaram as primeiras campanhas internacionais de vacinação pela BCG sob a égide da Organização Mundial da Saúde (OMS), as quais se estenderam a Portugal.

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