Anuncie connosco
Pub
Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Evocando Uma Doença do Passado Recente: a Tuberculose I

5 de fevereiro de 2021
Partilhar

Ao longo da sua história a Humanidade tem sido assolada por várias doenças e até epidemias. Numa crónica anterior já abordei a temível peste negra, flagelo que provocou grande mortalidade por toda a Europa e em Portugal, especialmente nos séculos XIV e XV. Outra doença responsável por uma elevada taxa de mortes foi a tuberculose, atingindo maior gravidade nos finais do século XIX até meados do século XX.

A Tuberculose Pulmonar, também conhecida por Tísica, é uma doença infeciosa muito antiga, como atestam os registos arqueológicos, tendo acompanhado a Humanidade desde as civilizações mais remotas. Durante muitos séculos foi mal conhecida e até confundida com outras doenças, o que terá dificultado o seu tratamento. Será somente em 1882, com a descoberta de Robert Koch, que se assistiu a um ponto de viragem no combate à tuberculose. Com efeito, em 24 de março de 1882, Robert Koch apresentou em Berlim, à comunidade científica, o microrganismo responsável pela tuberculose: o mycobacterium tuberculosis.

A tuberculose é uma doença que ainda hoje apresenta uma endemicidade variável de continente para continente, de país para país e de região para região. No entanto, podemos afirmar que os picos de recrudescimento desta doença aparecem associados ao agravamento das condições de vidas das populações, nomeadamente em contextos de guerras, fomes, insalubridade das cidades…

Na Europa, nos séculos XVII, XVIII e XIX, a tuberculose tomou grandes proporções, provocando uma elevada taxa de mortalidade em crianças e adultos jovens. A Revolução Industrial e as Guerras Napoleónicas contribuíram para agravar as condições de vida das populações, ficando por isso mais sujeitas à Peste Branca, como também era conhecida.

Contudo, ao longo do século XIX, especialmente nas últimas décadas, algumas inovações no campo científico contribuíram para uma viragem no conhecimento e tratamento desta doença infeciosa. Um desses contributos foi a invenção do estetoscópio, em 1816, pelo médico francês René-Théophile-Hyacinthe Laënnec. Este mesmo médico publicou, dois anos mais tarde, uma obra intitulada Traité de l’Auscultation Médiate, onde salientou e divulgou a importância da auscultação para o diagnóstico da enfermidade em causa. Para além da já mencionada identificação do microrganismo causador da doença por Robert Koch, outro contributo igualmente útil foi o do visionamento do interior dos pulmões por Raio X, devido ao físico e engenheiro mecânico alemão Konrad Roentgen, cujo aparelho permitia observar as lesões de tuberculose ativas.

Apesar das descobertas acima descritas, no final do século XIX o combate à doença fazia-se essencialmente com medidas higio-sanitárias. Somente em 1921 foi apresentada uma vacina, pelos franceses Calmette e Guérin, a vacina do bacilo Calmette–Guérin (conhecida vulgarmente por BCG). Apesar da importante descoberta, apenas entre 1948 e 1951 se organizaram as primeiras campanhas internacionais de vacinação da BCG sob a égide da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para melhor compreender a história do tratamento da tuberculose convém recordar que no século XIX a arcaica Teoria Miasmática ainda explicava o surgimento das doenças. Isto significava que eram certos odores venenosos, gases ou resíduos nocivos, os ditos miasmas, que causavam as doenças. Esses miasmas podiam ter origem na atmosfera ou no interior da terra, serem arrastados pelo vento até ao hospedeiro, que uma vez exposto aos mesmos acabava por adoecer.

Apesar de alguns avanços científicos já mencionados acima, a Teoria Miasmática fundamentou muitas medidas de saúde pública, como o enterro dos mortos preferencialmente na periferia dos núcleos urbanos, a recolha do lixo e as reformas sanitárias. Nesta época, por toda a Europa, incluindo Portugal, predominavam as preocupações com a higiene pública, havendo um interesse crescente por parte da comunidade médica e das autoridades em implementar planos que promovessem a saúde das populações. Será neste contexto que surgem e são criados os primeiros dispensários e sanatórios.

Inicialmente alguns dos médicos mais famosos a nível internacional defenderam que a base de todo o tratamento para a tuberculose seria através do ar puro e de uma alimentação muito cuidada à base de leite, ovos, carne, frutas, açúcar e vinhos. O repouso num local com o clima adequado era fundamental para se obter a cura. Em 1861 abre na Silésia o primeiro Sanatório em Goebersdorf. Rapidamente outros países criaram também os seus sanatórios de altitude como a Alemanha, a Itália, a França e a Suíça, na qual foi construído um dos mais famosos, o sanatório de Davos, que Thomas Mann imortalizou no seu livro A Montanha Mágica.

Estes sanatórios de montanha ou de altitude dispunham de galerias ao ar livre para que o bacilo pudesse ser exterminado pelas temperaturas baixas e pela pureza do ar das montanhas. Esperava-se que os métodos naturais – a climoterapia ou helioterapia e o repouso – seriam suficientes para a cura. Tal não se verificou, pois apenas 10% dos doentes conseguiram melhorias significativas.

Outros médicos defendiam a existência de sanatórios em regiões temperadas e próximas do mar. Estes sanatórios, muitas vezes designados sanatórios marítimos, deveriam estar instalados em locais com bons ares, sol e onde as oscilações de temperatura fossem mínimas. A ilha da Madeira e em particular o Funchal possuíam as condições mencionadas, e, em 1859, por iniciativa da ex-imperatriz do Brasil, Amélia de Leuchtenberg, viúva de D. Pedro IV, é criada a primeira instituição em Portugal destinada à cura dos tuberculosos, em memória da filha que falecera vítima desta doença apenas com 22 anos de idade. O Hospício da Princesa Dona Amélia era dirigido pelo médico António da Luz Pita e recebeu os seus primeiros doentes em 1862.

O flagelo causado por esta doença justificou a abertura de outros espaços destinados aos tuberculosos por todo o país. Em 1881 o médico Sousa Martins defende o tratamento de altitude e propõe a construção de sanatórios e casas de saúde na Serra da Estrela. Assim, na mesma linha de pensamento, será edificado na Guarda o Sanatório Hospital

Príncipe da Beira. Além dos locais destinados aos doentes curáveis, importava também isolar os outros, de modo a diminuir os contágios. No Hospital da Misericórdia do Porto foi instalada uma sala de isolamento para tuberculosos em 1890. Em Lisboa foi criado um posto de desinfeção em 1894, e passou a ser obrigatória a notificação de todos os casos de tuberculose. Em 1897 é aberta no Forte do Junqueiro em Carcavelos uma unidade para albergar crianças escrofulosas e linfáticas carentes de clima marítimo. Logo em seguida, o Hospital de Arroios sofre melhoramentos com o objetivo de receber doentes tuberculosos, passando a designar-se Hospital Rainha D. Amélia. O combate à tuberculose é assumido pela Casa Real e a rainha D. Amélia funda, em 1899, a Assistência Nacional aos Tuberculosos.

(continua na próxima crónica)

Última edição

Opinião