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Entrevistas

Entrevista a Roberto Barata, especialista em treino e comportamento animal.

«São os detentores que precisam de treino»

10 de abril de 2018
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Roberto Barata, um português a viver na Dinamarca, especialista em treino e comportamento animal, faz uma análise crítica sobre as diferenças existentes na sua área de formação entre os dois países e fornece conselhos úteis para os detentores de animais.

Roberto Barata formou-se em treino e reabilitação comportamental de cães, gatos e cavalos, sendo certificado em etologia animal aplicada.

Expert em antrozoologia, área dedicada ao estudo da interação entre animais humanos e não humanos, não sabe o que o levou a escolher a profissão, sabe apenas, que sempre se sentiu perto dos cães com quem viveu na juventude.

Há 15 anos atrás, começou por ser dog walker e pet-sitter. A observação, juntamente com livros de biblioteca, ajudaram-no a conhecer melhor os animais e a ser, mais tarde, treinador e tratador de cães militares na força aérea.

Quis exercer a atividade no seu País, não fossem as desilusões e a falta de condições para o fazer. Como o treino animal em Portugal não é considerado uma profissão e qualquer pessoa o pode fazer, a atividade vê-se descredibilizada e, os treinos, a sua maioria de cariz comercial, são baseados em modelos desadequados à realidade social em que vivemos.

A própria oferta formativa para treinadores é escassa e baseada numa distorção de conceitos científicos e numa ideologia inconsistente. ‘Sinto uma maior preocupação em criar ideologias ou palavras socialmente aceites do que em criar um sólido, real e atualizado conhecimento científico, levando a que muitas famílias sejam induzidas em erro com falsas promessas de resultados rápidos’, refere o especialista.

Pensou desistir, quando surgiu a oportunidade de terminar a formação no Ethology Institute, na Dinamarca. Após um árduo período de estudo e prática é hoje, aos 32 anos, diretor de estudos da região portuguesa e tutor do Instituto naquele país, para onde decidiu mudar-se há dois anos.

Diferenças entre Portugal e a Dinamarca

Portugal e Dinamarca têm mentalidades diferentes, geradoras de diferenças significativas. No local onde agora vive, as famílias querem aprender a compreender o animal, a comunicar com ele e a saber adaptá-lo à sociedade. Elas têm a perfeita noção de que são elas que precisam de aprender para poderem ensinar. Não deixam os seus cães sozinhos em regimes de internamento nem os deixam com os treinadores, para que sejam treinados, ofertas que ainda existem em Portugal.

Quando passeiam um cão, apanham os dejetos e, quando o mesmo está solto, nos locais permitidos, se avistarem outro cão logo lhe colocam a trela, denotando-se um maior respeito pelas pessoas e pelos animais. Nessas zonas existem placas com informações relevantes e sacos gratuitos para dejetos. Por outro lado, a entrada de animais em locais comerciais é bastante condicionada.

Legislação animal em Portugal

Considera que Portugal deve estudar as legislações mundiais, bem como as evidências científicas existentes na área, adaptando-as à realidade social, não se limitando a imitar outros países. Dar maior atenção aos profissionais práticos que vivem e testemunham a realidade é fundamental, não se devendo considerar, apenas, os conceitos teóricos de especialistas sem real experiência de campo. Se assim não for, criamos leis emocionais, desadequadas ou desatualizadas, como se verifica com a permissão de coleiras estranguladoras, de picos e de choque nos treinos, entre outros exemplos flagrantes, sendo as duas últimas proibidas na Dinamarca.

Conselhos para quem vive com animais

Aconselha todas as pessoas que vivam com animais, a não se guiarem pelas soluções dadas nas redes sociais ou em artigos da internet mas, antes, a procurarem profissionais que tenham uma base científica sólida e que não utilizem métodos de treino baseados no medo ou na intimidação. Informação fidedigna sobre as características naturais da espécie faz toda a diferença, devendo envolver-se todos os membros da família.

A evitar estão os modelos de treino realizados unicamente em turmas externas que seguem padrões de exercícios. Estatísticas internas realizadas na Dinamarca mostram que os cães passam, em média, 21 horas fechados em casa, pelo que é decisivo que o ensino seja feito maioritariamente no domicílio, adequando o treino ao animal e ao seu ambiente individual. As turmas externas servem apenas como complemento do treino, ajudando à socialização do animal, bem como à sua habituação a diferentes espaços. Se adaptarmos o ambiente e o ensino às necessidades individuais de cada animal, promovemos uma ligação muito mais natural e simples entre ambos.

O conhecimento é a prioridade

Nos últimos 25 anos, a principal causa dos problemas de comportamento canino deve-se ao facto de ficarem sozinhos em casa. O ser humano limitou-se a pensar em si, sem se preocupar em compreender as suas necessidades naturais e sem se adaptar às mudanças. Muitos dos comportamentos indesejados seriam resolvidos com facilidade, ou mesmo prevenidos, se o conhecimento estivesse ao acesso de todos. Promessas e produtos bonitos baseados em técnicas de marketing são normalmente desnecessários e até desadequados, originando outros problemas.

Em pleno século XXI, refere o especialista, ‘não restam quaisquer dúvidas de que são as pessoas que necessitam de ser responsabilizadas, educadas e ensinadas a compreender a outra espécie, para que assim possamos comunicar de forma clara. Acrescenta ainda que ‘devia existir um curso nacional gratuito para todos os detentores de cães, ministrado pelas autarquias, uma vez que é necessário compreendê-los para sermos compreendidos’, pelo que o conhecimento deve ser a prioridade.

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