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Entrevistas

Entrevista Fernando de Pádua, médico-cirurgião e professor catedrático.

«Um bebé pode chegar aos 142 anos»

10 de abril de 2018
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Fernando de Pádua, médico-cirurgião e professor catedrático na área da cardiologia e medicina interna, escreveu livros, criou o Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva (INCP) e a Fundação à qual cedeu o nome e, aos 90 anos, continua a dar consultas, a fazer palestras e a ir a escolas, com o objetivo de promover a saúde e a qualidade de vida. Pessoa de trato fácil, afetuoso, informal e com sentido de humor, leva a idade com uma perna às costas, com esperança de que, o estilo de vida que adota, o faça chegar aos 120.

O trabalho do Professor cuja segunda edição da biografia será brevemente lançada, destina-se a atingir o cidadão comum que não quer ser doente, independentemente da sua idade evitando, desta forma, mortes prematuras e sobrecarga de um sofrimento evitável, ao mesmo tempo, que aumenta a sua qualidade de vida e reduz as despesas que se têm com a doença. Existe uma associação entre morbilidade, hábitos e nível socioeconómico exigindo-se que, para além de intervenções médicas eficazes, sejam instituídas políticas de saúde mais abrangentes, de acordo com as características individuais, culturais e socioeconómicas da população, dirigidas à promoção da saúde e à prevenção da doença. O Cardiologista reitera que “doença ou morte antes dos 80 é culpa do Homem, não de Deus ou da Natureza”, frase da autoria de Paul White, seu professor em Harvard.

“Algarvio de nascimento e alentejano de coração”

Nascido em Faro, viveu no Alentejo, local de memórias de uma infância feliz, antes de ter rumado com os seus pais e irmãos a Lisboa, para continuar os estudos.

Já na capital e, durante os tempos do liceu Gil Vicente, foi um miúdo reguila e pouco dado aos estudos, mas foi o facto de ter ficado em segundo lugar, num trabalho realizado já no Passos Manuel, que o fez ver que podia ser bom aluno. E foi.

Nunca sonhou com o que seria quando crescesse e, a família, ao vê-lo a caminho do pódio, incentivou a medicina e a engenharia que, por serem profissões de prestígio, entendiam estar ao seu alcance. A verdade é que, apesar de ambas as áreas o motivarem, o caminho da engenharia foi excluído pelo destino. Talvez a cardiologia lhe estivesse traçada e, com esta, se sinta também um pouco engenheiro.

A caminho da medicina

A oportunidade de ir para a faculdade, surgiu através de uma bolsa de estudo, conferida pelo sindicato dos escriturários, ao qual o pai pertencia. Não se imagina o que teria acontecido, caso tivesse ficado à margem do que viria a ser um brilhante percurso, por falta de recursos económicos. “Foi um golpe de sorte” refere o Médico, “apesar de ter trabalhado muito”

Agarrou o que lhe foi dado e cedo se tornou independente, escrevendo à máquina e vendendo aos colegas, as aulas de medicina.

Licenciado aos 23 anos com 19 valores, foi convidado a dar aulas ainda estudante, tendo-se tornado professor catedrático aos 39.

Ganhou uma bolsa de estudo oferecida pelo Rotary, o que lhe permitiu fazer uma pós-graduação em cardiologia, em Harvard, nos Estados Unidos.

O regresso de Harvard

Dos Estados Unidos, trouxe um vasto conhecimento, assim como a prática da prevenção, pouco instituída em Portugal na década de 50.

Regressado a Lisboa, a sua primeira conferência foi sobre “os cardíacos no trabalho” em 1955, desmistificando a doença e a forma de a encarar.

Tem no professor Paul White a sua grande referência e com ele aprendeu que “os médicos não devem estar fechados no seu consultório, mas junto da população”, o que fez com que o jovem cardiologista preventivo se abrisse à mesma, no combate à hipertensão arterial, através de consultas ambulantes e, mais tarde, dos jornais, da rádio e da televisão.

Doutorou-se e esteve envolvido em diversas instituições ligadas à sua área, mantendo-se ativo no Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva (INCP), criado em 1986 e na Fundação Professor Fernando de Pádua (FPFP), constituída em 2002, sendo fundador de ambos. O Rotary de Loures, através de quem conhecemos o Cardiologista, foi o primeiro clube rotário a estabelecer uma parceria com a Fundação.

O papel da prevenção na redução das doenças cardiovasculares

Políticas de saúde, educação da sociedade e programas comunitários, bem como investigação e educação dos profissionais de saúde, ajudam a prevenir todas as doenças que derivam do comportamento humano. Com exceção dos casos em que a doença já vem traçada à nascença, a maior parte das doenças devem-se ao estilo de vida que adotamos e, por norma, a maus hábitos.

O sal, o açúcar, as gorduras, a fibra, o tabaco, o álcool, o stress biopsicossocial e a inatividade física, estão normalmente na origem de doenças como a angina de peito, o enfarte do miocárdio, a insuficiência cardíaca, o acidente vascular cerebral (AVC), o acidente isquémico transitório, a morte súbita, bem como das demais doenças crónicas não transmissíveis, como é o caso dos cancros, diabetes, osteoporose ou mesmo doenças mentais.

A ‘década gloriosa’

Foi no início dos anos 70 que a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez o alerta para a hipertensão e para as doenças cardiovasculares, chamando a atenção das televisões, que começaram a divulgar o tema.

Se analisarmos a taxa de mortalidade padronizada por 100 mil habitantes de ambos os sexos em Portugal relativamente ao período compreendido entre 1976 e 2014, concluímos que o número de mortes derivadas de doenças do coração desceu drasticamente. As mortes causadas por doenças do aparelho circulatório reduziram 71%, as derivadas de doença cerebrovascular 81% e as de doença isquémica cardíaca 62%. Este foi um período em que surgiram mais e melhores medicamentos, bem como resultados às campanhas de prevenção, situando-se a época de maior redução destas doenças entre 1980 e 1989, ficando conhecida como a “década gloriosa”.

A medicina preventiva em Portugal

Em 1987 celebrou-se um acordo entre a OMS e o governo português, o CINDI-Portugal, integrado no projeto europeu CINDI ou Countrywide Integrated Noncommunicable Diseases Intervention, com a finalidade de desenvolver medidas integradas para a promoção da saúde, bem como estabelecer mecanismos de colaboração eficazes para o controlo integrado, multidisciplinar e intersetorial dos fatores de risco, de entre eles o tabagismo e erros alimentares, os quais possam vir a ser aplicados em todo o país e noutros estados membros da OMS. Pretendeu-se estabelecer uma cooperação entre os vários países para a criação de uma cultura de saúde saudável, global e solidária, o que fez eleger o Professor como “o pai da medicina preventiva” no nosso país.

Infelizmente a aposta não tem sido na prevenção nem na investigação, que ficam para segundo plano por falta de financiamento. Coincidência, ou não, 2015 e 2016 apresentaram já um ligeiro aumento no número destas mortes o que, se não significar apenas uma ligeira oscilação, deve voltar a servir como alerta.

A poupança decorrente da prevenção

A prevenção significa agir antes do mal estar instalado, fazer campanhas e aconselhar, em vez de receitar medicamentos. Ora, se reduz doenças, o custo e o sofrimento que se teria com os tratamentos derivados das mesmas deixa de existir.

Vejamos, o governo gasta 1% do orçamento da saúde com a medicina preventiva e 99% com a medicina curativa, a tratar doenças. As políticas de prevenção, por ajudarem a reduzir o número de doentes, geram uma poupança de biliões de euros a qualquer país. No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) indicou que, em 2017, os 5 milhões de libras gastos em campanhas de prevenção do sal geraram uma poupança gigantesca de 1.5 biliões de libras, que não se gastaram em cuidados de saúde.

Os sub 20, dos zero aos 19 anos

A promoção da saúde e prevenção das doenças não transmissíveis deve começar na primeira infância, na barriga da mãe ou através dos próprios pais, antes da conceção e, ter continuidade ao longo da vida.

As vacinas são a primeira forma de prevenção e a instrução primária e a escola são, além da família, também responsáveis pela criação de hábitos.

Ensinar as crianças a criarem bons hábitos, normalmente antes dos quatro anos de idade, promove não só a sua saúde e bem-estar, como a dos pais e até avós, por via da sua influência. Se as crianças estiverem habituadas a fazer desporto, é mais provável que não comecem a fumar e, só por não fumarem, têm logo direito a mais 20 anos de vida!

É por isso que o Cardiologista continua a ir às escolas orientar os mais novos, levando consigo ‘O meu livrinho do coração’ e ‘Kikas e o professor coração’, cuja história foi inspirada na Escola B1 de Loures, livros em que participou e que acredita poderem passar de geração em geração.

Desta forma, a criação de bons hábitos aliada ao avanço da medicina, pode fazer com que os bebés dos nossos dias cheguem aos 142 anos.

As pré-doenças

Apesar da genética poder intervir na criação de algumas doenças, é depois do nascimento que começam os riscos. A partir dos 20 anos começam as pré-doenças, ou seja, o que comemos, bebemos, fumamos e o exercício que não fazemos, podem predispor-nos a certas doenças, sendo esta a altura em que, uma simples mudança de hábitos, pode evitar esse destino. ‘É a natureza a alertar-nos’, refere o Cardiologista.

Se forem feitos rastreios, vão detetar-se doenças como a hipertensão ou a diabetes numa fase prévia, evitando que se instalem no futuro.

Bons hábitos

Ter bons hábitos significa alimentarmo-nos bem, evitar o tabaco e o stress e fazer exercício físico.

Boas rotinas alimentares incluem evitar o sal, o açúcar, as gorduras e comer produtos naturais e mais vegetais, evitando produtos processados.

A total ausência de sal e até mesmo de açúcar pode originar outro tipo de problemas. Apesar de a legislação criada em Portugal permitir 14 gramas por quilo de pão, o Médico cita a OMS que considera que o limite deve ser de 5. Exercício físico pode fazer-se bastando andar a pé, fazendo caminhadas ou subindo escadas diariamente.

Fazemos a revisão aos automóveis mas não fazemos o mesmo ao corpo em que nascemos. Se a inspeção dos veículos é obrigatória, assim devia ser o rastreio da saúde, na opinião do Especialista.

Sem radicalismos

Fumou até aos 35 anos, altura em que os malefícios do tabaco ainda não eram conhecidos, tendo deixado de o fazer quando começou a haver mais informação.

Sempre foi magro e, durante 45 anos, subiu a pé os dez andares das escadas do Hospital de Santa Maria até à sua enfermaria, dando o exemplo. “Suba a pé para fazer exercício e, desça de elevador para poupar as articulações e os pés”, salienta.

Dizer-se que beber um copo de vinho por dia faz bem ao coração é um mito. Beber de vez em quando é que não faz mal. Radicalismos não são necessários. Também faz asneiras quando vai a uma festa e volta aos bons hábitos no dia seguinte.

Boas relações humanas fazem bem ao coração, assim como conviver saudavelmente com animais. Tudo o que lide com o coração-mente faz bem ao coração-motor.

Conservar o mesmo médico

“Escolha um bom médico, em quem confie e conserve-o” refere o Cardiologista. Acrescenta que “temos idosos a viver mais tempo mas mais doentes e entupidos de medicamentos”, sabendo-se hoje que não são sinónimo de eficácia, pelo que manter um médico que acompanhe todo o historial do paciente, ajuda-o a prevenir ou a tratar as doenças mais eficazmente.

No final de contas, diz o Professor, “a doença transmissível mais mortal chama-se vida!”

Joana Leitão

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