Anuncie connosco
Pub
Opinião
João Pedro Domingues – Professor
João Pedro Domingues
Professor

Opinião de João Pedro Domingues

Incêndios, até quando?

4 de setembro de 2022
Partilhar

Eu, como felizmente muitos milhares de portugueses, aproveitámos um verão bem quente, e sem confinamentos, para gozar um merecido descanso, nas nossas magníficas praias, ajudando a economia local que tanto precisa após dois anos de profundas restrições.
No entanto, não posso deixar de constatar que, quem vive nas cidades e nos centros mais urbanos, vai descansadamente para a praia ou para o estrangeiro, mas quem reside no meio rural e no interior do país, não fica sossegado, porque, infelizmente, sabe que os incêndios podem a qualquer momento surgir à porta.
Os fogos dependem essencialmente de três fatores, que normalmente são cumulativos: a meteorologia, o ordenamento do território e os nossos comportamentos (as queimas e queimadas continuam a ser uma das grandes causas destas situações).
Portugal está a sofrer ondas de calor extremas, que atingem igualmente grande parte da Europa e do norte de África. E não podemos escamotear que estes fenómenos se prendem com as mudanças de clima, as quais estão a transportar mais ondas de calor, um muito maior número de dias com temperaturas elevadíssimas e enormes períodos de seca extrema (só Trump negava estas evidências).
Estes fenómenos demonstram a necessidade de concretizarmos medidas de mitigação das alterações climáticas à escala mundial. Eles não são um problema local, de Portugal. Todos temos de agir, porque se não percebermos a importância de combater as alterações climáticas à escala mundial, não há nada a fazer.
Acresce que existe, na raiz dos incêndios em Portugal, um outro problema difícil, mas que tem de ser ultrapassado: cerca de 98% do território é propriedade privada. E, na maior parte das situações, não se sabe de quem são os terrenos, a quem pertence a floresta.
Há um evidente desleixo, mesmo um abandono geral de matas e florestas, por parte dos seus proprietários, ou porque na maior parte das vezes não têm posses para a rentabilizar, ou por desinteresse ou, em muitos casos também, por nem saberem onde ficam esses terrenos.
É fundamental conhecermos o território e tem de se resolver, de uma vez, a questão do cadastro. Mas temos de ser realistas, o cadastro não soluciona, por si só o problema, dos incêndios, se não houver responsabilização na limpeza dos terrenos.
O ordenamento é outra das eventuais causas. Atualmente 9% do território está coberto de eucaliptos. Portugal tem uma área florestal quase sempre de pinheiro-bravo e de eucalipto, em grandes manchas contínuas e que são autênticos barris de pólvora.
É fundamental reordenar a nossa floresta, rompendo com as monoculturas, plantando outras espécies autóctones que façam o compartimento da floresta. São necessárias as tão já faladas faixas de descompressão, a criação de prados a interromper as áreas de floresta e a criação das designadas faixas de gestão de combustível.
E, sobretudo, é necessário alterar os comportamentos. Segundo os dados conhecidos, estima-se que, entre 2003 e 2013, somente 2% dos fogos tenham sido provocados por causas naturais.
Apesar dos constantes avisos, continuam-se a fazer queimadas, supostamente controladas, mas que logo se transformam em incontroladas. É necessário apanhar e punir os executantes, mas mais fundamental, os mandantes pelas ignições que promovem. E puni-los de forma exemplar.
Por fim, uma nota importante e mais que merecida: aos nossos bombeiros, de todas as corporações por esse país fora, que não regateiam esforços para preservarem o bem público e as vidas dos seus concidadãos. Alguns com sacrifício das suas próprias vidas, como acontece todos os anos.
Uma palavra de gratidão e de reconhecimento. Numa época em que o voluntariado começa a ser escasso, e as corporações de bombeiros voluntários começam a senti-lo, talvez seja a altura para, de um modo frontal e sem preconceitos, discutir a necessidade de uma maior profissionalização dos corpos de bombeiros.
Os fogos serão porventura uma fatalidade a que não conseguimos escapar, mas cabe-nos a todos perceber que as alterações climáticas são uma realidade e temos forçosamente de mudar procedimentos e comportamentos, para que não nos tenhamos de lamentar todos os anos por situações que não pudemos e não quisemos acautelar.

Última edição

Opinião