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Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O direito de sufrágio universal em Portugal

5 de fevereiro de 2022
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Neste período pós-eleições legislativas onde a abstenção ainda manteve valores elevados, apesar de ter recuado relativamente a atos eleitorais anteriores, escolhi como tema desta crónica apresentar um breve resumo sobre a consagração plena do direito de sufrágio no nosso país. Não devemos esquecer que o direito universal de voto foi uma conquista que levou o seu tempo e que se relaciona com a história da cidadania.

Enquanto o direito de sufrágio universal alastrava na Europa Ocidental, em Portugal, depois de uma expansão na década de 1870, o mesmo seria limitado na década de 1890 e mais uma vez em 1913. Na verdade, será necessário esperar por 1976 para que o sufrágio universal para os adultos do sexo masculino e feminino seja uma realidade consagrada na constituição portuguesa. Neste processo, o que está em jogo não é só considerar o cidadão como sujeito de direitos, mas também alguém detentor de uma parte da soberania política.

Quando analisamos as várias constituições de 1870 a 1976 não devemos menosprezar a importância das regras eleitorais, pois os princípios implícitos e os objetivos a prosseguir são diferentes de acordo com os sistemas. Assim, o tipo de representação ideal será diferente de acordo com o sistema eleitoral. Devemos distinguir os sistemas eleitorais que preferem a representação proporcional e, outros, que optam pela representação maioritária. Ora, o sistema eleitoral pode ser entendido como as regras através das quais os eleitores expressam as suas preferências politicas, convertendo o seu voto em mandatos parlamentares (no caso das eleições legislativas), ou cargos políticos (como seja no caso da eleição presidencial).

Enquanto os sistemas de representação proporcional favorecem a representação no parlamento das várias tendências sociais e políticas mais significativas do país; os sistemas de representação maioritária beneficiam a formação de maiorias absolutas no parlamento e de governos monopartidários.

O direito de sufrágio presente na Constituição de 1822 representou um ponto de viragem, um momento de rutura com o quadro mental até então vigente. Apesar da Constituição vintista ter criado as instituições liberais, ela ainda se debatia com a tradição nacional. Mas, é inegável, segundo os estudiosos, que foi durante a monarquia constitucional aquela que mais próximo esteve da implementação do sufrágio universal.

Todavia, estima-se que a percentagem de cidadãos abrangidos pela Constituição de 1822 nunca terá sido superior aos 50%. A referida Constituição estabelecia que para a eleição dos deputados nas Cortes podiam votar os portugueses que estivessem no exercício dos direitos de cidadão, ou seja, todos aqueles que “(…) tendo domicílio, ou pelo menos residência de um ano no concelho onde se fizer a eleição.”; por outro lado, estavam excluídos os “ (i) os menores de vinte e cinco anos, salvo se fossem casados e maiores de vinte, ou oficiais militares da mesma idade, ou bacharéis formados, ou clérigos de ordens sacras; (ii) os filhos-famílias, salvo se detivessem cargos públicos; (iii) os criados de servir; (iv) os Regulares, daqui se excluindo os das Ordens militares e os secularizados; (v) todos os que, aquando da promulgação da Constituição, ainda fossem menores de dezassete anos e que, daí para o futuro, perfizessem os vinte e cinco anos sem saber ler nem escrever.”

Não irei abordar, nesta crónica, o direito de sufrágio presente noutros diplomas como na Carta Constitucional de 1826, na Constituição de 1838, na Constituição de Constituição de 1911 ou na Constituição de 1933. Apenas reforço que em Portugal a questão do sufrágio universal não foi pacifica numa conjuntura caraterizada pelas querelas do liberalismo e pelo longo período do Estado Novo. Importa aqui mencionar que será na Constituição de 1976 que o sufrágio universal é reconhecido pela primeira vez. Com efeito, o “(…) sufrágio é universal, igual e secreto e reconhecido a todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades da lei geral, e o seu exercício é pessoal e constitui um dever cívico”. Estabeleceu também os princípios gerais de direito eleitoral, instituindo que “(…) o recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório e único para todas as eleições por sufrágio direto e universal», fazendo-se a correspondente conversão dos votos em mandatos em harmonia com o princípio da representação proporcional.

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