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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O bilhete postal ilustrado como fonte iconografia

2 de julho de 2023
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Aproximam-se os meses preferenciais para o gozo de férias para a maioria dos portugueses, meses que coincidem não só com os longos dias de sol e de temperaturas cálidas, mas também com as férias escolares dos miúdos. É, portanto, um momento em que se viaja para outro lugar, ou seja, uma quebra na rotina, uma interrupção na vida normal de todos os dias.
Atualmente, com as viagens aéreas mais baratas conhecer outros sítios tornou-se algo a que muitos de nós podemos ambicionar, não só no período de verão, mas igualmente ao longo do ano. Longe do tempo do “Grand Tour” acessível apenas a uma elite, atualmente o turismo de massas “abriu” uma miríade de ofertas praticamente para todas as bolsas, tipos de públicos e destinos. Sobre o “Grand Tour” – termo que significa a tradicional viagem pela Europa, feita principalmente por jovens de classe-média alta, movimento que esteve na origem histórica do turismo contemporâneo - e sobre o gosto pelas praias será um tema a explorar na próxima crónica. Nesta, o meu propósito é o de chamar a atenção para os antigos bilhetes postais ilustrados como fonte iconográfica de lugares e pessoas que podemos encontrar em livros, bibliotecas, arquivos ou mesmos em colecionadores.
Ora, como todos sabemos viajar para outro lugar - seja num tempo curto ou numa estadia mais longa- significa “olhar” o outro e, portanto, implica sempre alguma descentração do eu, sujeito, aquele que “olha” e na relação que estabelece com o “Outro”, com aquele que é diferente de si. Esse “olhar” nunca é neutro, o mesmo acontece com as representações sobre o “Outro”, o diferente na perspetiva do turista ou visitante. A proliferação de imagens que aconteceu a partir de finais do século XIX e inícios da centúria seguinte com a maturidade da fotografia e nos nossos dias com a voracidade das imagens digitais são todas elas produtos culturais e, por conseguinte, devem ser sempre contextualizadas, uma vez que incorporam aspetos que são culturalmente determinados. Se antigamente se enviava um postal ilustrado a um familiar e/ou amigo afirmando desse modo que tinha estado em determinado lugar, atualmente proliferam imagens nas redes sociais com o mesmo propósito, afirmar um certo cosmopolitismo.
Gostaria de reforçar, uma vez mais que a simples escolha por uma certa pose ou um determinado enquadramento está relacionada com o modo como se pretende representar uma certa situação. Assim, cada imagem, longe de ser uma simples cena fotografada - aparentemente um instantâneo do real - é sempre uma “construção”, ou de dito de outro modo, uma “encenação”.
O bilhete postal baseado no registo fotográfico serviu diversos propósitos ao nível da comunicação visual (assunto sem dúvida interessante, mas que não cabe nesta crónica). O bilhete postal ilustrado foi comercializado avulso ou em coleções, bem como impresso em várias técnicas. Se nos seus primórdios podemos observar postais ilustrados que reproduziam retratos de grandes figuras públicas, nomeadamente figuras da realeza, rapidamente além do tradicional retrato passaram a dominar os temas de interesse mais abrangente como os espaços urbanos e rurais, monumentos e os costumes considerados tradicionais.
Sobre o nosso país e neste caso sobre a zona de Lisboa e arredores (Sintra, Mafra ou a dita região saloia) existem muitos bilhetes postais ilustrados que procuraram caraterizar os habitantes desta área, incluindo paisagens e costumes. Para esta crónica selecionei apenas dois: o primeiro apresenta um antigo barco no rio Trancão, junto a Sacavém, barco esse que navegava não só nas águas do Tejo como também nos seus afluentes e está por isso associado ao transporte de pessoas, mercadorias e à pesca; o segundo, retrata um conjunto de lavadeiras junto a uma ribeira de Loures. Neste último é notória a presença não só das mulheres, rurais, lavadeiras, aparentemente numa cena do seu quotidiano, mas a assistência de dois homens bem vestidos, citadinos que “olham” para uma “cena típica” de lavadeiras, acentuando deste modo a dualidade entre o rural e a cidade e, também, a diferenciação social implícita no modo como todas as figuras surgem na imagem.
Embora em desuso, confesso que é muito aprazível ser surpreendida por um postal ilustrado na caixa do correio onde só aparecem contas e publicidade…. Remeter um postal a alguém é igualmente raríssimo, mas aqui fica um desafio dirigido ao nosso(s) leitor(es), nestas férias escolha um destinatário e envie um postal ilustrado à moda de antigamente!

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