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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

coreto do Zambujal

3 de outubro de 2020
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O coreto é ainda hoje uma peça arquitetónica presente no espaço público, associada a uma função cultural e recreativa, comum em praças e jardins, e que podemos encontrar tanto nos meios urbanos de grande dimensão - tal é o caso da cidade de Lisboa- como em vilas e aldeias por todo o país. É verdade que ao longo do século XX, especialmente após as duas Grandes Guerras, muitos coretos foram ficando ao abandono, perdendo pouco a pouco a sua função inicial, e transformando-se em meras peças decorativas. Aquela função social e cultural aglutinadora não estava dissociada, naturalmente, dos locais escolhidos para a sua edificação, que eram largos ou praças, lugares com alguma centralidade, nos quais os coretos adquiriam capacidade panóptica (deles via-se em todas as direções), e onde a música era um foco importante do convívio ou da festa, fora do contexto formal das salas de espetáculo.

Em francês, “coreto” é conhecido como “quiosque”. Tais quiosques começaram a surgir nos finais do século XVIII e desenvolveram-se especialmente no século XIX como estruturas especiais, sobrelevadas e abertas, situadas no interior de jardins, e destinadas exclusivamente a receber formações musicais.

No território de Loures ainda subsistem muitos coretos, alguns deles em razoável estado de conservação, mas silenciosos…. Seria interessante, na minha opinião, dar nova vida a estas peças de arquitetura destinadas à cultura popular. Uma delas, por exemplo, é o coreto do Zambujal, existente no Largo António Sérgio daquela localidade, o qual marca ainda hoje, com a sua presença, um dos espaços de maior sociabilidade da povoação. Foi construído em 1948 por iniciativa da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Zambujal e financiado pela população por ocasião do 85º aniversário da Banda de Música daquela Associação. Foi escolhido para a sua implantação o largo que marca a centralidade do aglomerado, como já sugerido acima. Como em tantos outros lugares, é ali que as pessoas se encontram para conversar, para efetuarem algumas compras…e... até por ali passam transportes, numa rua que o atravessa. Além do coreto, que assume uma posição de destaque, é de realçar ainda o chafariz em pedra, oitocentista, de inspiração neoclássica. O coreto do Zambujal tem um aspeto facetado, pois é constituído por um embasamento de planta hexagonal, em alvenaria rebocada e pintada a branco, e é coberto por cúpula metálica, coroada por floreta e esfera armilar. No interior da cúpula podemos observar a pintura de seis liras, tema decorativo que se repete no gradeamento que protege a zona do palco, numa óbvia alusão à música; o acesso ao palco é assegurado por uma escada metálica.

Em geral, pensa-se que terá sido a partir de uma herança oriental (Médio Oriente e Índia, onde estas edificações teriam conotação religiosa) - e inserida numa corrente de renovação dos parques e jardins, tanto franceses como ingleses - que surgiu pela primeira vez a ideia de pavilhões abertos (maiores ou menores), num formato de tipo quiosque, e com caraterísticas construtivas semelhantes. Inicialmente, esses pavilhões abertos, nos recém-criados jardins, eram colocados em pontos altos e assumiram uma função de miradouros.

Em Inglaterra, ainda por volta de 1700, surgiram os chamados “pleasure gardens”, muito famosos em Londres. Estes “pleasure gardens” eram parques de dimensões generosas, abertos ao público mediante o pagamento de uma entrada. A sua oferta era considerada na época muito atrativa, o que explica o seu sucesso, com muitos frequentadores, que podiam usufruir de variados espetáculos instrumentais, vocais e de dança, enquanto passeavam. Pequenas e simples orquestras tocavam não só peças de compositores conhecidos, mas também melodias mais populares.

Mais tarde, nos finais do século XVIII e durante o século seguinte generalizaram-se as estruturas abertas e públicas para sobretudo servirem como espaços destinados à música ao ar livre. Relacionam-se com novos programas sociais, novas formas de lazer, instrução e liberdade adequados aos ideais liberais da época, no seguimento da Revolução Francesa.

Na verdade, já na segunda metade do século XVIII, estruturas de tipo “coreto” foram instaladas nos jardins públicos, sendo de planta circular, igualmente acessíveis a todos os que pudessem pagar o preço de uma entrada. No interior, os frequentadores tinham acesso a vários tipos de entretenimento, como jogos, jantares e música. Ainda em França, apareceram a partir de 1795 até 1815 os designados “jardins espetáculo” que disponibilizavam aos parisienses atrações mais modernas, pois entre a música e a dança os seus frequentadores podiam assistir a vários tipos de eventos, como jogos pirotécnicos ou, mesmo, a visualização de experiências científicas, entre outros aspetos.

Mas os primeiros coretos propriamente ditos, só começam a proliferar na década de 1830. O primeiro, e que irá servir de modelo para muitos outros, foi o pavilhão do “Jardin Turc”, reformulado por Philippe Mussard, o qual se inspirou nos “pleasure gardens” ingleses. O “Jardin Turc” foi um dos primeiros edifícios destinados a acolher grupos musicais. O seu sucesso foi inspirador para a criação de muitos outros. De tal forma o coreto ganhou importância nos inícios do século XIX, que muitas cidades, nomeadamente os planos urbanísticos de Haussmann para a “cidade-luz” contemplaram lugares próprios para a edificação de coretos.

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