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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

A Aldeia em miniatura de Virgílio Espiga

7 de julho de 2025
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Sabia que na freguesia de Bucelas reside um artista, certamente conhecido dos bucelenses, mas possivelmente ainda ignorado pela maior parte dos nossos leitores, de seu nome Virgílio Espiga? Natural e residente na vila, tem 84 anos de idade e foi serralheiro durante grande parte do seu percurso profissional. Não é, pois, de admirar que muitos dos seus trabalhos sejam feitos em metal, material que conhece bem e que molda em múltiplas formas.
A par da sua profissão sempre dedicou algum do seu tempo livre a pintar, desenhar, especialmente retratos a carvão, com grande competência para a caricatura, assim como a criar miniaturas diversificadas, muitas delas reproduzindo antigos edifícios associados à agricultura, como azenhas e lagares, mas também locais de encontro e celebração como por exemplo, igrejas, coretos ou fontes. Trata-se de um autodidata, pois nunca teve qualquer formação artística, como aulas ou cursos em instituições de ensino. Em vez disso, as suas técnicas foram sendo desenvolvidas por meio da prática, observação, experimentação.
Alguns dos seus trabalhos já estiveram patentes ao público não só nas Festas do Concelho de Loures, mas também nalgumas edições das Festas do Vinho e das Vindimas em Bucelas, como em algumas exposições promovidas pelos museus de Loures, entre outros locais. É na sua casa e na pequena oficina que possui, que guarda muitos dos seus trabalhos, cuidadosamente guardados dentro de armários e caixas, longe dos olhares públicos. Virgílio Espiga acalenta o sonho de realizar uma exposição retrospetiva das suas criações, faltando, porém, alguém, ou instituição interessada, e um espaço apropriado para tal. Talvez esta crónica seja catalisadora de possibilidades nesse sentido.
Uma das criações de maior impacto será a miniatura de uma aldeia, peça de grande dimensão que está instalada ao ar-livre, numa parte da parcela agrícola que possui na povoação, e que se pode ver da rua Eça de Queirós. Aliás, é fácil de identificar o local, pois junto ao portão somos agradavelmente surpreendidos por duas figuras humanas, um homem e uma mulher do campo, flores variadas, parreiras, cegonhas, espigas de trigo, tudo isto feito em metal. A ladear o portão, duas pequenas pinturas alusivas à vindima. Quem estiver interessado poderá procurar Virgílio Espiga na rede social do facebook e contactá-lo para conhecer mais de perto o artista e o seu trabalho.
Voltando à “aldeia imaginada” acima referida, podemos constatar que ela tem tudo: dois moinhos localizados no topo de uma elevação, com as suas velas rodando ao vento, onde não faltam os moleiros e os burritos; o casario disposto a meio da encosta e, no sopé, no vale, um rio que serpenteia por debaixo de algumas pontes. Todo o conjunto é muito equilibrado, rico em pormenores, sem dúvida associados a toda uma vivência campesina que Virgílio Espiga reinterpreta, recorrendo às suas memórias e à sua experiencia. Aqui, nesta aldeia em miniatura, aproveitou outros materiais para além do metal; podemos observar a utilização de pequenas pedras para as alvenarias das casas e muros, e também o uso de madeiras. A água, elemento essencial à vida, também está presente, não só a do ribeiro, mas na nora da azenha, e de forma aludida nos lavadouros e fontes. É encantador ver a roda da azenha a girar e simultaneamente ouvir um som agudo e contínuo, semelhante a um ranger… o que quase nos transporta para o interior da realidade de que aquele pequeno universo é uma miniatura.
Nesta povoação Virgílio não esqueceu as pessoas. Ali está um grupo, disposto ao redor de uma mesa, convivendo à sombra de uma latada. Noutro ponto, junto ao curso de água um grupo de mulheres lava a roupa. No topo, o moleiro está pronto para entregar o cereal, a carroça está carregada, a subir vai um homem com dificuldade, a ladeira é ingreme e ele, e o seu burrito, lá vão subindo na direção dos dois moinhos…
Agora que o jornal “Notícias de Loures” termina hoje a sua publicação, depois de mais uma década de várias edições mensais, gostaria de deixar a manifestação do o meu grande apreço a toda a equipa que durante estes anos garantiu a presença de um órgão de comunicação local, em particular ao seu primeiro coordenador Pedro Pereira Santos, que infelizmente nos deixou de forma tão inesperada e trágica. Mas, igualmente ao seu atual diretor, Filipe Esménio, que continuou com empenho o projeto jornalístico até agora, julho de 2025. Lamento profundamente o desaparecimento do “Notícias de Loures”, embora tenha sido até agora o jornal local que conseguiu resistir durante mais tempo às novas formas de comunicação, cada vez mais digitais e fugazes, que diminuem os espaços de informação, a sua diversidade e consequentemente a comunicação democrática. Agradeço o convite para colaborar com crónicas sobre as paisagens e os patrimónios, esperando que as mesmas possam ter contribuído não só para o conhecimento de alguns aspetos do nosso território, suas gentes e história, mas também para suscitar interesse entre os nossos leitores para pesquisarem e desenvolverem alguns dos temas focados ao longo destes anos. Foi um prazer trabalhar nesta equipa, e conversar convosco, os nossos leitores.

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