Das Notícias e do Direito
Num repente, passaram 50 anos!
9 de junho de 2025
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Sobre o quê, pergunta o leitor do Noticias.
Pois nenhum aniversário se anuncia, o do 25 de Abril foi o ano passado e nada mais ocorre.
Pois bem, há 50 anos, mais precisamente a 25 de Junho de 1975 celebrou-se a independência de Moçambique.
E cerca de 160 mil portugueses daí provindos chegaram a Portugal.
Os famosos retornados, ainda que a palavra esteja errada.
Errada porque muitos nunca tinham vindo à, até então, designada metrópole. Muitos eram a 2ª, a 3ª e a 4ª geração nascida nas terras de Gungunhana.
Errada também porque retorno é regressar onde fomos felizes, é poesia, é vontade.
E a maior parte dos regressados de Moçambique não o fez feliz, ansiando pelo regresso.
Viveram, muitos, tempos difíceis na saída. Sem segurança, a fugir da guerra e da guerrilha, sofrendo-a na pele. Na busca de contentor para trazer os seus haveres, tentando vender o que se tinha para trazer algum dinheiro amealhado.
Ansiosos pela indefinição, temendo o futuro.
Os meus Pais chegaram em Maio de 1975.
Um dia de um frio terrível e um vento cortante nas palavras da minha Mãe.
Emocional imagino eu, pois natural de Almendra, tendo estudado no Porto e na Guarda, o clima de Lisboa sempre seria ameno.
Sem casa, sem trabalho e sem filha, visto que apoio e conselhos familiares já me tinham levado em Janeiro de 1975, acompanhada pela minha Avó, para o Brasil, onde viviam três dos seis irmãos da minha Mãe.
A angústia terá sido o seu pensamento dominante. O meu Pai estaria sorridente, como se tudo fosse normal, forçando-se a ver sempre tudo com a lente do optimismo, esforçando-se para a alegrar e consolar.
Começaram aqui uma nova vida.
Com inevitáveis vantagens comparativas.
Foram recebidos pelas Tias da minha Mãe, em Guerreiros, freguesia e concelho de Loures.
À minha Mãe, professora, coube-lhe esperar por Outubro pelo início do ano lectivo. O meu Pai, com uma profissão de grande especificidade técnica, teve rapidamente várias vias e iniciou nas Adegas Camilo Alves, depois adquiridas pela Sociedade Central de Cervejas, onde trabalhou por muitos e bons anos.
Procuraram e encontraram casa para arrendar. Foram parar a Frielas, uma aldeia rural e perdida no tempo às portas de Lisboa.
Tiveram familiares prontos e insistentes para lhes emprestar dinheiro para o recomeço, para satisfazerem necessidades domésticas, adquirindo móveis, electrodomésticos e afins.
Da vida que deixaram vieram apenas o enxoval da minha Mãe e algumas lembranças de casamento e, ainda assim, distribuídas nos contentores de amigos.
Trouxeram memórias, amarguras, saudades e mágoas.
Deixaram amigos, liberdade e uma vida distinta da que haviam vivido antes de África e que não recuperariam.
As amizades, os encontros, as idas à praia, os picnics, as patuscadas, os fins-se-semana animados e agitados.
E sim, completam-se 50 anos, pouco lembrados, pouco partilhados.
Impunha-se celebrar a liberdade dos países que deixámos, analisar o descalabro da descolonização que fizemos.
Contar a história e contar as estórias.
As experiências.
As vivências.
Lamentar a falta de apoio. Saber que o stress pós-traumático também se verifica, mesmo a quem não combateu ou viu mortos à sua frente.
A maturidade que o tempo carrega, também o devia ser para o Estado, para os intelectuais e para os criadores.
Eu tomarei um gin tónico e farei um brinde ao meu Pai, aos meus Padrinhos, aos amigos que nunca mais vi e com quem brinquei na Marágra.
E sonharei fazendo planos a um regresso, afinal nunca conheci a Ilha de Moçambique, nem a Gurongosa e recordo sempre o entusiasmo nas palavras do meu Pai.
Talvez volte a este tema, talvez não.
Passaram-se 50 anos.
A memória é devida.
Apetece-me uma chuinga!