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Rui Pinheiro – Sociólogo
Rui Pinheiro
Sociólogo

Fora do Carreiro

Eu pago impostos!

9 de setembro de 2019
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“Eu pago impostos” parece estar a transformar-se numa expressão em crescente utilização e numa espécie de fórmula mágica de reivindicação de todos os direitos e alienação de todas as responsabilidades.

Que se saiba, não há ainda qualquer estudo desenvolvido a este respeito, mas o conhecimento empírico, compulsado a partir das redes sociais, da audição directa do uso da expressão e por intermédio de episódios contados que terminam ou começam com esta formulação, permitem o atrevimento de lhe definir um primeiro perfil.

Nas sociedades de consumo tende-se a adoptar comportamentos, narrativas e abordagens do mundo, tuteladas pela simplificação das ideias e dos conceitos. O marketing, a publicidade e a nova comunicação têm mostrado à sociedade a sua capacidade de “vender” concepções, fazer aceitar mistificações e simplificar para um mesmo plano ético e moral a escolha de um sabonete ou de um Presidente da República.

Em regra, este tipo particular de conceitos, expandem-se em efeito ”mancha de óleo” e têm origem nos estratos sociais com maior capacidade de influenciar a sociedade e fundam-se numa visão ideológica da sociedade de que esses círculos sociais são portadores e representantes. Difundem-se pelo exemplo do vizinho, do chefe ou do patrão, pela repetição mediática, mas também por conveniência e mercê de uma baixíssima formação integral dos indivíduos e forte ausência de espírito crítico. Em suma, num quadro em que a maioria dos indivíduos agem como se estivessem a defender os seus interesses quando estão a fazer exactamente o contrário.

O egoísmo e o individualismo (traços característicos nas classes sociais dominantes) são pais adoptivos da atitude que a expressão “eu pago impostos” significa.
“Eu não tenho que apanhar os cocós do meu cão da via pública, porque pago impostos”.
“Eu ponho o lixo onde quiser, porque pago impostos”.
“Eu reclamo o que me apetecer, justa ou injustamente, porque pago impostos”.
“Eu estaciono a viatura onde me der jeito, porque pago impostos”. Etc...

Na pequena colecção de usos acima (porque é cada vez mais vasta), bem se destacam a presença invariável do “eu” e do “pago impostos”. No primeiro caso, temos o “eu” enquanto afirmação da relevância e da centralidade e importância do próprio face a todos os demais, ao colectivo, à comunidade.

Com a reivindicação de “pago impostos” releva-se o princípio ideológico de que talvez não devessem ser pagos, talvez seja uma concessão especial que se está a fazer… E já agora – como bom consumidor – o mais certo é, já que se paga, que se nos dê “tudo a que temos direito”, quiçá, um lugar de estacionamento à porta, em cima do passeio, um cantoneiro para ir buscar o lixo a casa na hora marcada, uma babá para tratar dos cocós do cão em casa e na rua e um presidente da junta e da câmara para ouvirem em directo e resolverem todas as insatisfações com o governo, as frustrações com o chefe e/ou o patrão e aguentarem com as reclamações pela derrota do clube da preferência.

Quem assim age, quem acolhe e propaga a expressão não percebeu ainda que os que a originalmente a promovem têm recursos para pagar todos os serviços a que querem ou precisam aceder. Os que não dispõem de tais recursos precisam da vida comunitária, partilhada, solidária e dos serviços públicos que podem pagar, para a sua qualidade de vida.

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