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Opinião
Gonçalo Oliveira – Actor
Gonçalo Oliveira
Actor

P'la caneta afora

A visita da Sra. Bernarda

30 de novembro de 2017
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Um ano antes das comemorações dos 120 anos do nascimento de Federico García Lorca (1898) e um ano após se terem completado 80 anos do trágico assassinato do poeta e dramaturgo espanhol, e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola (1936), o Teatro Independente de Loures levou à cena “A Casa de Bernarda Alba”(1936), última peça teatral - a terceira da trilogia de dramas folclóricos – onde ainda se integram na trilogia as peças Bodas de Sangue (1933) e Yerma (1934).

Finalizada exatamente trinta dias antes de morrer assassinado por forças do governo espanhol, em 19 de Agosto de 1936, durante a Guerra Civil, “A Casa de Bernarda Alba” foi a última peça teatral de García Lorca. Teve sua primeira montagem apenas em 1945, em Buenos Aires, cidade na qual Lorca passara cinco meses em 1933. A peça só viria a ser encenada na Espanha em 1964.

García Lorca ingressou na faculdade de Direito de Granada em 1914, e cinco anos depois transferiu-se para Madrid, onde fez amizade com artistas como Luis Buñuel e Salvador Dali e publicou os seus primeiros poemas. Concluído o curso, foi para os Estados Unidos e para Cuba, período dos seus poemas surrealistas, manifestando o seu desprezo pelo modus vivendi norte-americano. Expressou o seu horror com a brutalidade da civilização mecanizada nas chocantes imagens do Poeta em Nova Iorque, publicado em 1940.

Voltando à Espanha, criou um grupo de teatro chamado “La Barraca”, que está na génese do grupo português “A Barraca”. Não ocultava as suas ideias socialistas e, com fortes tendências homossexuais.

Regressando a “A Casa de Bernarda Alba” pode-se acrescentar que é nesta peça de teatro que Lorca recorre ao simbolismo.

Bernarda Alba, personagem central do texto, é uma matriarca dominadora que mantém as cinco filhas, Angústias, Madalena, Martírio, Amélia e Adela sob vigilância implacável, transformando a casa onde vivem num caos de tensões prestes a explodir a qualquer momento.

Com a morte do seu segundo marido, Bernarda decreta um luto de oito anos, submetendas suas filhas à reclusão dentro das frias paredes da casa, com as janelas cerradas. Duas das filhas, apaixonadas por um mesmo rapaz, Pepe Romano, iniciam uma disputa cruel e perigosa, para conquistarem o amor do mesmo homem, com consequências trágicas.

A construção central do drama de Lorca foi inspirada numa família que conhecera, onde Frasquita Alba, mãe de quatro filhas, as comandava com mão de ferro, e um homem de nome Pepe de la Romilla, que se teria casado com a filha mais velha de Frasquita, apenas pelo seu dote e que, posteriormente, se teria envolvido com a mais jovem das irmãs. Dessa história real, Lorca apropriou-se da ideia de uma casa sem homens para compor o tema central de “La Casa de Bernarda Alba”: o lugar da mulher na sociedade espanhola.

É este drama intenso em três actos que o Teatro Independente de Loures nos propõe.

A direcção do espectáculo é de Filipe Mateus Lopes e de Luis Paniágua Féteiro, cabendo a interpretação a Ana Raquel Gonçalves, Ana Sofia Cerqueira, Anaísa Carolina Ferreira, Catarina Monteiro Marques, Helena Mourão Guerreiro, Izabela Matias Lemos, Maria Cristina Lomba, Mariana Mateus Lopes e Tânia Mendes Bota.

Mas um espectáculo não se faz só de actores e de Encenadores/Directores. Por detrás do que o público vê, existe uma vastíssima equipa: Carlos Alberto Machado, Lurdes Silva, Clara Paniágua Féteiro,Vanda Borges Antunes e Telmo Alexandre Santos.

Na sinopse enviada, “A Casa de Bernarda Alba” passa-se dentro de “um clima extraordinariamente caracterizado, (...) é a história do drama de um celibato forçado, numa aldeia de Espanha onde os homens escasseiam. Bernarda Alba e suas filhas, enlouquecidas de solidão, tragicamente possuídas de amor por Pepe Romano, são personagens inesquecíveis, tristemente exuberantes no seu desejo frustrado onde a vida é uma luta constante contra preconceitos e castas.”

E como nos é dito na folha de sala, foi assim que Bernarda Alba entrou pela casa dentro do Teatro Independente de Loures; “Mas então aconteceu Bernarda... esta personagem entrou na vida do grupo com a sua força abrangente, distribuiu as suas filhas sofridas pelos cantos desta casa, tornou-nos servos como La Poncia e a jovem Criada deixou-nos enlouquecidos, mas com os pés no chão como a avó. Porque a realidade é esta: Bernarda meteu-nos na sua casa e recolheu incessantemente a nossa atenção, sorvendo as nossas acções para a levantar (…). Levantar? Não... Ela já nos rege de modo superior, como Martírio que causa Angústias (,,,).

Este espectáculo é dedicado “à alma imortal de Carlos Paniágua Féteiro, Actor, Encenador, Amador de Teatro... Fundador, Mestre, Contador de Histórias, Confidente, Amigo, Pai”.

Hoje, quando quero colocar o ponto final neste artigo, acabo de receber em lágrimas a notícia da morte do João Ricardo.
É aqui e agora que me levanto a bater palmas e a gritar o seu nome: Bravô, João Ricardo! Bravô!!!

Este colunista escreve em concordância com o antigo acordo ortográfico.

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