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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Palácio dos Arcebispos de Santo Antão do Tojal

3 de dezembro de 2021
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O palácio dos arcebispos faz parte de um conjunto patrimonial barroco vulgarmente conhecido como praça monumental, onde a fonte-palácio assume um papel central na cenografia de todo o edificado. Este conjunto foi construído entre 1728 e 1730 pelo primeiro cardeal-patriarca de Lisboa D. Tomás de Almeida, o qual contratou para o efeito o famoso arquiteto italiano António Canevari. Esta propriedade de Santo Antão do Tojal pertencia, desde o século XIII, ao bispo titular de Lisboa, sendo uma quinta que além da sua função produtiva também servia de residência de verão dos seus proprietários. A quinta terá sido adquirida pelo bispo D. Domingues Jardo a Pero Viegas, e passou a ser conhecida como a “quinta dos arcebispos” aquando da elevação do bispado de Lisboa a arcebispado, em 1394.

Noutra crónica já abordei o conjunto arquitetónico constituído pelo dito palácio dos arcebispos, a capela, hoje igreja paroquial, a fonte-palácio e o aqueduto. Portanto, neste mês de dezembro o enfoque será ao nível das artes decorativas do palácio dos arcebispos, ou seja, o interessante conjunto azulejar que reveste as paredes do vestíbulo do edifício, a escadaria nobre e as salas de aparato do piso principal, conjunto esse que muito enobrece o edifício. Começando pelo vestíbulo, podemos observar a típica azulejaria joanina marcada pelo azul e branco, gosto que se associa à azulejaria holandesa que por sua vez terá sido influenciada pela porcelana chinesa Ming, a qual foi sido trazida para a Europa pelos portugueses no século XVI.

Ao nível das artes decorativas, nomeadamente a azulejaria, a escadaria de aparato apresenta o conjunto mais notável deste palácio. Com efeito, essa escadaria é decorada com figuras de convite, num total de três alabardeiros, pintados com típico azul cobalto, mas também com o amarelo antimónio que destaca os bordados do vestuário sumptuoso destes guardas da casa do patriarca. Estas figuras apresentam três idades distintas, marcando deste modo a passagem do tempo e o ciclo da vida humana. As figuras, dispostas ao longo da escadaria, acompanham o visitante no seu trajeto até ao piso nobre onde este seria recebido pelo proprietário do palácio, evidenciando a posição social do dono da nobre residência.

As figuras de convite na azulejaria surgiram na época barroca e correspondem a um aspeto particular e original da azulejaria portuguesa. A sua presença nas artes decorativas visava acentuar os aspetos rituais e cenográficos da vida quotidiana da sociedade barroca. Estas figuras, aplicadas aos edifícios, foram concebidas em tamanho natural representando escudeiros, alabardeiros, lacaios ou guerreiros. Alguns investigadores atribuem a invenção das figuras de convite a um misterioso pintor português apenas conhecido por P.M.P., artista muito criativo que terá elaborado os seus próprios desenhos ultrapassando a cópia de estampas como era muito vulgar na época. Todavia, os dois artistas mais conhecidos pela sua produção das figuras de convite no século XVIII foram Bartolomeu Antunes e o seu genro, Nicolau de Freitas (1703-1765), dois pintores de azulejos de uma época de transição entre duas fases artísticas, o “Período dos Mestres” e o chamado “Período da Grande Produção”.

Nesta escadaria de aparato de Santo Antão do Tojal podemos igualmente observar uma balaustrada simulada, apresentando uma arquitetura perspetivada pintada sobre o azulejo. Muito ao gosto barroco, como tenho acentuado por outros aspetos, estes painéis pretendem trazer para o interior do edifico uma representação do exterior, do jardim, com uma ornamentação floral a enfeitar os balaustres, pontuada pela representação de vários animais, alguns deles exóticos, como um pequeno macaco ou um jacaré.

Este trabalho é de autoria dos já referidos e famosos artistas Nicolau de Freitas e Bartolomeu Antunes, mestres pintores que estiveram associados à Grande Oficina de Lisboa, sociedade informal de mestres pintores e olarias da cidade, criada pelo mestre ladrilhador Bartolomeu Antunes (1688-1753), oficina essa que tinha como propósito realizar todas as obras de azulejos das quintas e palácios reais, particularmente as obras supervisionadas pela chamada Casa de Repartição das Obras. O mestre Bartolomeu Antunes foi detentor de uma das mais importantes oficias de azulejaria do reino, tendo recebido encomendas do paço e dos grandes fidalgos portugueses, incluindo o Brasil.

Subindo a escadaria entramos nas salas de aparato do piso nobre revestidas com painéis de azulejos da primeira metade do século XVIII e com tetos em caixotão, alguns conservando elementos de talha, como as armas do patriarca. Percorrendo as várias salas podemos encontrar uma decoração azulejar variada e rica, erudita, relativamente aos temas escolhidos. Numa das salas estão representadas as quatro estações do ano, tema recorrente na decoração palaciana, mas também os principais elementos do mundo, segundo antiquíssima tradição: a água, a terra, o ar e o fogo. Outra sala decorada com temas eruditos é a sala das artes liberais, com representações da música, escultura, pintura, mecânica e eloquência.

Vemos, pois, que aqui se encontra um dos maiores valores patrimoniais históricos, conservados no nosso concelho.

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