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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O jardim de aparato do palácio dos arcebispos

9 de agosto de 2022
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(continuação)

Na crónica passada, em julho, procurei destacar o jardim do Palácio dos Arcebispos o qual, como é do conhecimento geral, está integrado no conjunto barroco da Praça de Santo Antão do Tojal. Todo o conjunto que hoje podemos observar deve-se à obra promovida pelo 1º Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, importante figura eclesiástica da corte de D. João V. O paço que o dito patriarca mandou edificar abrangeu também o jardim. Como já referi, a vivência de uma casa nobre no século XVIII incluía o usufruto do seu espaço ajardinado, infelizmente, no caso em questão, atualmente destituído do seu esplendor original.
Assim, também o jardim de aparato da residência de verão de D. Tomás de Almeida mais do que um espaço verde espelhava o estatuto social do seu proprietário, constituindo um espaço exterior marcado pela formalidade dos canteiros, pela presença de tanques e fontes, bem como de esculturas. O jardim de qualquer paço ou quinta de recreio pelo modo como estava organizado denotava igualmente o grau de erudição do seu proprietário.
Segundo os jardins dessa época e, partindo de alguns documentos que fazem referencia ao jardim deste palácio sabemos que estariam presentes várias estátuas, vasos de pedra com flores, tanques, fontes e pombais, canteiros formais, alamedas de árvores de fruto, nomeadamente limoeiros e laranjeiras, mas também de algumas espécies estéreis e exóticas.
Nas Memórias Paroquiais de 1758 o pároco de então menciona que o patriarca terá “(…) mandando cultivar não só o jardim mas alameda das mais excelentes plantas esquisitas árvores especiais hortaliças e todo o género de flores”. Por sua vez, o padre João Baptista de Castro descreve um pouco mais o jardim em questão afirmando que “Ali se vem entre o matizado das plantas os buxos e as murtas sempre verdes fingir várias figuras, que a arte com prolixa, mas admirável cultura as obriga representar. Vem-se muitas formas de fontes, de flores, e de árvores esquisitas, mas estéreis, que só por fruto dão sombra aos que passam pelas suas dilatadas ruas”.
Bem ao gosto barroco o jardim era um espaço cenográfico, a arte da topiaria, ou seja, a capacidade de trabalhar os arbustos e as árvores de modo a reproduzir formas era comum. No caso português eram mais comuns as formas geométricas simples (como pirâmides, esferas, cubos ou cilindros) por oposição aos jardins europeus onde predominavam as representações antropomórficas e zoomórficas. Portanto, a topiaria acrescentava elementos decorativos ao jardim, proporcionando volumetria e ritmo ao conjunto, espaço enriquecido por outros elementos que o povoavam como a azulejaria e a escultura.
O jardim do patriarca possuiria plantas ornamentais como a murta e o buxo, espécies bem-adaptadas ao nosso clima e que facilmente podiam ser trabalhadas, não só para delimitar canteiros retos ou curvilíneos, como para reproduzir várias formas aperfeiçoando assim a qualidade estética do conjunto. Quanto às mencionadas árvores esquisitas e estéreis estas deveriam ser espécies de outros países, de certo modo exóticas, que além de sombra contribuíam para uma atmosfera mais exótica e prestigiante.
Segundo o inventário dos bens da Mitra, elaborado após a morte de D. Tomás (1754), vários elementos de estatuária completavam os canteiros e as alamedas. Figuras em mármore com os seus pedestais, vasos de pedra e cerâmica embelezavam os circuitos, dois leões de pedra ornamentavam os lagos do jardim, duas esculturas de tigres estavam por sua vez nos dois tanques do jardim, além de seis cães de pedra dispersos pelos caminhos do referido espaço verde.
Relativamente às flores uma descrição do romancista inglês William Beckford nas suas memórias é elucidativa quanto à formosura do jardim: “ (…) um imenso canteiro, ricamente atapetado de flores amarelas e vermelhas, a lembrar um tapete turco”. No século XVII, os canteiros podiam combinar várias espécies como rosas, amores-perfeitos, papoilas ou açucenas, conferindo cor, textura e perfume para deleite daqueles que deambulavam e socializavam nestes espaços privilegiados.

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