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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

As Antas de Loures

3 de dezembro de 2018
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No atual território do município de Loures são abundantes os vestígios que confirmam a presença de comunidades humanas desde tempos muito recuados. Com efeito, várias décadas de investigação permitiram identificar numerosos sítios arqueológicos, datadas desde o longínquo Paleolítico até épocas mais recentes – trabalhos que têm contribuído não só para o enriquecimento do nosso património, como para o conhecimento histórico.

Se alguns dos locais inventariados e estudados passam despercebidos à maior parte de nós por não serem visíveis na paisagem, outros há que marcam, de modo mais ou menos evidente, o território, como sejam os monumentos megalíticos (antas ou dólmens). Naturalmente, tratando-se de uma zona intensamente humanizada, nos arredores da capital do país, esses monumentos estão aqui reduzidos a alguns exemplares dispersos e em geral bastante danificados. Ora, uma das características de tais monumentos era, precisamente, a de em geral aparecem agrupados em necrópoles mais ou menos extensas, embora a situação pudesse variar de uma região para outra.

As antas, ou dólmens (palavra de origem bretã que significa o mesmo) do município de Loures são monumentos datados do 4º e 3º milénios antes da nossa Era, portanto construções edificadas por comunidades da pré-história recente que viveram neste território. O que atualmente podemos observar nestes monumentos são algumas lajes colocadas na vertical, os esteios ou ortostatos, que serviam não só para delimitar o espaço interior da câmara funerária, como o do corredor de acesso, o qual, numa fase final de utilização, seria fechado.

Em tais esteios apoiavam-se as lajes de cobertura, horizontais, tanto na câmara, como no corredor, as quais fechavam a estrutura de pedra, criando deste modo um espaço destinado à deposição ritual dos antepassados. Mas atualmente o que podemos ver, na maior parte dos casos e em especial na nossa região, são somente resíduos desse “esqueleto” pétreo, que melhor resistiu ao tempo.

Porque de facto o verdadeiro monumento, originalmente, era constituído por um volume hemisférico em forma de “mamoa”, estrutura feita em terra compactada e revestida de lajes de proteção, formando precisamente a mamoa, palavra de origem popular que deriva de “mama”, e exprime bem o aspeto que estes monumentos teriam quando intactos.

Eram montículos arredondados destacados na paisagem, visíveis a alguma distância, constituindo uma marca, ou ponto de referência, no território.

O facto de se lhes associarem lendas de mouros ou de tesouros levou a que muitos fossem violados e vandalizados, para já não falar dos trabalhos agrícolas, que eliminaram praticamente as mamoas, sobretudo em terrenos férteis. No concelho de Loures, como em geral na região de Lisboa, estes monumentos aparecem isolados ou em pequenos grupos, como se referiu.

Nesse aspeto contrastam com as grandes concentrações que caracterizavam a região do Alentejo (por exemplo, Reguengos de Monsaraz), ou o Norte do país, onde foram construídos em zonas de pastorícia, e onde portanto melhor se mantiveram, por vezes constituindo grandes necrópoles, como a de Castro Laboreiro, junto à fronteira com a Galiza, ou mesmo a mais pequena da Serra da Aboboreira, no distrito do Porto.

Voltando à nossa região, ainda me lembro da existência, na década de 90 do século passado, na freguesia de Caneças, de um grupo de algumas antas, das quais apenas restou uma, a Anta das Pedras Grandes. Infelizmente, a pressão urbanística exercida nestas áreas circum-citadinas e a falta de sensibilidade arqueológica foi fatal para estes monumentos, todavia tão característicos do território português, do Minho ao Algarve. A mecanização da agricultura, com a introdução de maquinaria pesada numa agricultura mais moderna e industrializada, foi outro fator que contribuiu para a destruição de muitas parcelas do património arqueológico nacional.

No nosso município ainda subsistem três dolmens ou antas, a saber: a Anta de Casaínhos localizada na povoação do mesmo nome, freguesia de Fanhões, classificada como Monumento Nacional em 1977; a Anta de Salemas e a Anta de Carcavelos localizadas na freguesia de Lousa e próximas das povoações que lhe deram o nome. De todas, a Anta de Carcavelos é aquela que se encontra em melhor estado de conservação, mas a exigir, apesar de tudo novos trabalhos, quer na mesma anta, quer no seu entorno.

As investigações arqueológicas realizadas em Casaínhos e em Carcavelos confirmaram a presença de enterramentos humanos (ossadas) no seu interior, associados a um conjunto de objetos que aí eram depositados. Uns e outros, guardados no interior deste espaço escuro e “sagrado”, podiam representar para as populações neolíticas e calcolíticas agro-pastoris uma espécie de relíquias de antepassados, e, portanto, altamente prezadas e em relação com a identidade dos grupos, no seu apego ao território que ocupavam.

De facto, estes monumentos mostram uma muita antiga forma de marcação simbólica do espaço. Todo esse espólio está hoje guardado em museus; no caso de Casaínhos a coleção está depositada no Museu do Instituto Geológico e Mineiro, enquanto que os artefactos recolhidos nas escavações da Anta de Carcavelos se encontram nas reservas do Museu Municipal de Loures.

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