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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

A Quinta da Massaroca em São João da Talha

4 de dezembro de 2022
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A Quinta da Massaroca é um conjunto patrimonial de valor histórico e arquitetónico que se insere numa extensa área antigamente dedicada à produção agrícola, mas não só. Trata-se de mais uma quinta de recreio, das muitas que se edificaram em redor de Lisboa, quinta que aliava a produção à vilegiatura.
Estas quintas, como já referi em crónicas anteriores, possibilitavam ao seu proprietário fruir de um espaço privilegiado, que incluía um solar ou casa apalaçada e os respetivos jardins. Nestes espaços de veraneio o senhor afastava-se do bulício da corte ou da grande urbe, beneficiando de um maior contacto com a “natureza”.
Outro aspeto importante que gostaria de salientar é que esta propriedade se estendia até à margem do rio Tejo, o que lhe permitiu, outrora, a construção de salinas e a consequente exploração desse produto tão rentável. Há igualmente registos que a quinta possuiu uma azenha, na qual procedeu à moagem dos cereais, alguns certamente produzidos na propriedade. Mais, para garantir o escoamento dos seus produtos e uma maior mobilidade tanto dos bens como das pessoas, a quinta também incorporou um cais, porto fluvial localizado num esteio do rio Tejo.
Retornando à casa principal, o solar é caracterizado por dois torreões quadrangulares, ameados, ligados por um corpo mais baixo, edifício esse que comporta uma loggia, ou seja, uma varanda porticada por seis colunas toscanas, virada ao Tejo. Alguns investigadores datam os dois torreões ao século XV, enquanto que o edifício que os liga será um corpo construído no século XVIII. Ao longo do tempo outras obras de beneficiação e de ampliação foram acrescentando outros elementos, como a construção de uma nova ala, perpendicular ao conjunto mais antigo. Comummente a Quinta da Massaroca é datada do século XVIII, embora as torres e vestígios de um fosso apontem para uma função defensiva anterior.
O acesso ao solar é feito através de uma escada em ponte sobre um tanque. O tanque, espelho de água, valorizava esteticamente a loggia, ou varanda, com vista para o Tejo. Atualmente, a dita varanda ainda conserva uns lambris de azulejos do século XVIII. Também a torre nascente possui um compartimento abobadado, espaço antigamente reservado à capela do conjunto.
Além da casa principal ainda subsistem alguns edifícios de apoio à produção agrícola e pecuária, algumas infelizmente em ruína, todavia merecem destaque as antigas cavalariças. A propriedade, que já foi muito mais extensa, tinha além de um espaço privilegiado como mencionado acima (solar, jardim com tanque, relvados, buxos, etc.) estábulos, ovil, pomar e um extenso olival, além de terras de semeadura.
A origem da Quinta da Massaroca está relacionada com os fundadores de algumas das capelas do interior da igreja paroquial de São João da Talha (século XVI). Sabe-se que no século XVIII era proprietário da quinta D. Fernando de Almeida e Silva, filho segundo do Conde de Avintes. Foram os seus descendentes, que posteriormente venderam a propriedade, em 1910, aos Viscondes dos Olivais. Pouco tempo depois, em 1915, nova venda do conjunto à família Van Zeller Pereira Palha, responsáveis por grandes obras de recuperação em meados do século XX.
Atualmente esta quinta de recreio do século XVIII merece cuidado pelo seu valor histórico e patrimonial. Evidentemente que nesta apreciação se inclui não só o solar, mas também os edifícios anexos que fazem parte das estruturas de apoio a esta unidade, bem como toda uma envolvência paisagística. Parte da propriedade já foi ocupada por uma superfície comercial, e neste momento está em discussão pública um projeto para a edificação de um conjunto urbanístico que irá ocupar grande parte da propriedade.
Assim, esta crónica também visa alertar a comunidade não só para o valor patrimonial da quinta, mas também para o projeto urbanístico ainda em discussão pública. Finalizo, salientando que o Plano Diretor Municipal de Loures e outros instrumentos ordenadores do território evidenciam que deve ser salvaguardada a estrutura ecológica municipal; a reabilitação das construções existentes na quinta de valor patrimonial; assim como assegurar a articulação de percursos pedonais de ligação aos tecidos urbanos da zona oriental com ao Passeio Ribeirinho, uma vez que a referida quinta se encontra dentro dos limites da Plataforma Ribeirinha.

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