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Opinião de João Pedro Domingues

Não reprovar não é o mesmo que facilitar

12 de dezembro de 2019
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António Costa anunciou, com base no seu Programa de Governo, a intenção de criar um Plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva com os alunos que revelem mais dificuldades, algo que suscitou no Parlamento aceso debate, e levou a que o assunto fosse abordado, nem sempre de forma séria e construtiva, no meio da comunicação social e da população em geral.

Enquanto professor tenho também uma opinião sobre o assunto. Entendo, como ponto de partida, que as reprovações não são uma via que ajude efetivamente os alunos a recuperar o seu atraso, sendo antes, na esmagadora maioria das situações, uma medida ineficaz na promoção do sucesso escolar. A própria OCDE já sublinhou, mais de uma vez, a ineficácia da retenção dos alunos.

Apesar de no 1º ciclo a taxa de retenção ter baixado para 3%, e no 2º e 3º ciclos rondar os 5,8% e os 8,5% respetivamente, os dados disponíveis permitem perceber que mais de 31% dos alunos com 15 anos, reprovaram pelo menos uma vez. E, ainda, de acordo com estudos recentes, a reprovação é a única medida, entre as várias estudadas, que apresenta um impacto negativo, havendo um retrocesso estimado de cerca de 4 meses na aprendizagem dos alunos.

Não irei pela questão dos custos financeiros da proposta de não retenção, apesar de se saber que esta medida, apesar de cara, é pouco ou nada eficaz (cada retenção custa cerca de 6000 euros, segundo dados publicados recentemente). Como refere o Secretário de Estado da Educação, alguma opinião pública interiorizou a ideia que a alternativa a reprovar é passar.

Mas o mais importante, e concordo plenamente, a alternativa a reprovar é aprender. A escola atual não pode seguir as práticas antigas, em que o professor dava as suas aulas, os alunos ouviam e procuravam assimilar ou memorizar a matéria dada. Neste momento, e conforme sugere a proposta do governo, todos os alunos têm de aprender, havendo muitas e diversificadas maneiras para o fazer.

Torna-se fundamental ensinar os alunos a estudar, incentivar as tutorias entre os seus pares e promover a aprendizagem por objetivos. É aceite que o insucesso escolar no nosso país, tal como em muitos outros, está intimamente ligado às condições sócio-económicas dos alunos e dos seus agregados familiares.

A escola e os seus professores têm de fazer o que tem sido mais difícil, que é agarrar cada um dos seus alunos, em especial aqueles que se encontram inseridos em meios sócio-económicos mais desfavoráveis, em famílias que não têm capacidades para os apoiar nos seus trabalhos de casa e ajudá-los a superar as dificuldades sentidas.

As escolas podem, através do já existente Plano Nacional do Sucesso Escolar, encontrar as melhores soluções e adaptá-las a cada aluno em função da sua especificidade. A criação de um apoio tutorial específico, para um grupo de 10 alunos com historial de reprovações, e que inclua psicólogos escolares e, importantíssimo, o envolvimento dos encarregados de educação, é uma das propostas defendidas pelo Ministro da Educação e que entendo como fundamental para o sucesso desta medida.

Os alunos com dificuldades não devem reprovar e repetir o ano todo outra vez. O designado “chumbo” é usado como um argumento para conseguir que os alunos estudem, mandando-os estudar tudo outra vez, até que aprendam a matéria dada. Está provado que tende a reprovar quem já reprovou uma vez. É imprescindível trabalhar de forma intensiva com os alunos que revelem mais dificuldades. Reter um aluno deve ser considerada uma medida extrema e excecional, que só deve ser aplicada quando todas as outras estratégias tiverem falhado.

Terá de ser desenhado um plano assente em medidas pedagógicas que garantam uma aprendizagem de forma mais individualizada e diferenciada, e de acordo com as necessidades de cada um.

Conforme refere a presidente do Conselho Nacional de Educação, “as escolas devem reconhecer que há muitas maneiras diferentes de aprender e que se devem incitar os alunos a gostarem de aprender, a saberem aprender e a poderem aprender”. Existem alunos que chegam às nossas escolas sem motivação, sem relação com qualquer tipo de conhecimento e com quadros familiares extremos.

Mas existem, felizmente, escolas, comunidades e muitos, muitos professores, que fazem a diferença na vida de cada um destes alunos.

Retê-los, quando os podemos e devemos apoiar e possibilitar-lhes uma aprendizagem diferenciada, individualizada e que vise o seu sucesso pessoal e escolar, é fazer um serviço deficiente no seu processo educativo.

Mas claro, esta proposta de medida do Governo tem de ter em conta o ainda excessivo número de alunos por turma, a necessidade de mais apoio a dar aos professores, a estabilização do corpo docente em relação às escolas e a resolução de um problema que se avizinha e que pode ter contornos preocupantes: o elevado nível etário do corpo docente e a necessidade de o renovar.

A escola pode e deve fazer a diferença nestes alunos. Este é um assunto que não deve estar encerrado, antes um tema que nos deve acompanhar, para que o possamos analisar, refletir e decidir de acordo com o superior interesse dos nossos alunos.

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