Opinião de Alexandra Bordalo Gonçalves
a ética das profissões reguladas
5 de agosto de 2020
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Se algo têm em comum as profissões reguladas (advogados, médicos, engenheiros, entre tantos outros) é a sujeição a ética própria e independência perante as legis artis.
Ou seja, o reduto do conhecimento e exigências específicas da profissão.
Assim, trate-se de betão, de ecografias ou da argumentação num recurso, respeitados que sejam os domínios intelectuais da profissão, o profissional atua, genericamente, em conformidade.
Sucede porém, que por casos ou situações de grande projeção nos media, cada vez mais o cidadão comum tem conhecimento sobre a atuação dos profissionais, e sobre o papel das respetivas Ordens, mormente a componente disciplinar.
Acontece que, persistem as acusações de corporativismo, olvidando o público em geral, que muito do que se diz e ouve não corresponde ao que foi levado aos conselhos com competência disciplinar das respetivas ordens profissionais.
Obviamente, que estas decisões, internas, das Ordens não têm a publicidade ou são notícia no seu termo, mas, em regra, apenas e tão só, quando os acontecimentos que lhe dão causa, ocorrem.
Pensar que o estado de aposentação de um profissional o exime da responsabilidade é um erro. Como o é, mencionar casos vários, que na rua, ou na praça pública, se imputam à mesma pessoa, mas nunca chegaram a quem de direito, como a respetiva Ordem.
O exercício do Direito de Queixa tem de ser estimulado.
Mas não podemos ignorar que muitas são as circunstâncias em que associado ao direito de queixa se esconde um grande sofrimento pessoal ou individual.
Exemplo disso mesmo são as situações em que um qualquer cidadão constata o erro, grosseiro até, do profissional, mas o pesar e a dor em que se encontram leva a nada fazer, pois opta por tentar ultrapassar ao invés de passar por dupla vitimização.
Não menciono casos da atualidade, mas conheço alguns do passado e que não foram notícia. Nomeadamente, o da jovem grávida que ansiosa com uma ecografia inconclusiva e o convite para regressar no dia seguinte, pois o bebé poderia deixar ver-se… recorre a outro profissional.
E obstinadamente, depois de saber ter dentro de si um feto inviável, regressa e recebe os parabéns, porque «hoje sim, deixou-se mostrar e está tudo bem»…
Apesar de reter, até hoje, o nome da criatura, nada fez. Tentou esquecer, ultrapassar, seguir adiante.
Porventura, 21 anos volvidos, com outro estofo e segurança adquiridos com a idade, agiria certamente de maneira diferente.
Todavia, naquela altura só queria fugir e não recordar tal transe.
Saber-se mais tarde, que o profissional já antes teria sido pouco diligente, ou incompetente mesmo, de nada serve à avaliação que ora se promove.
Tal como nos tribunais, o que não é julgado não faz cadastro.
E há situações, tal como no âmbito criminal, que conhecidas poderiam ser investigadas oficiosamente…
Em todas as profissões reguladas, como em todos os estádios da vida, existem profissionais prevaricadores e de má fama.
Mas, se o direito de queixa não for exercido as respetivas Ordens não têm conhecimento e não podem atuar.
Não existe uma transversalidade dos brandos costumes apontados à nação e ao nobre povo, mas apenas o respeito pelos mais básicos princípios jurídicos.
Não se instauram processos por rumores e os boatos não são condenações.
Têm os Estatutos Disciplinares de ser revistos? E os Órgãos jurisdicionais de ser profissionalizados?
É facto, mas isso são contas de outro rosário, certo é que sem a notícia da infração, a queixa, nada se poderá iniciar.
Objetivar a dor e exercer um direito não é sobrevalorizar o direito de queixa, mas aprender a arquivar sentimentos e gerir emoções.
Almejar que o mesmo não ocorra com terceiros pode ser o primeiro passo, e assim, tanto poderá o infrator arrepiar caminho, como tornar-se identificável e ao seu trajeto na carreira delinquente.
Exercido o direito de queixa, algo se passará!
Garantidamente.