Casa do Gaiato de Lisboa
De portas abertas para o mundo
4 de abril de 2017
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Refugiados
Perante a enorme crise dos refugiados, a direção da Casa do Gaiato não pôde ficar indiferente, disponibilizando-se a colaborar no seu acolhimento e integração. Assim, em maio de 2016 chegaram as primeiras famílias, monoparentais femininas, à Quinta da Mitra, instalando-se na Casa Mundo – uma adaptação de um dos antigos dormitórios de rapazes. Hoje, esta habitação é o lar de três famílias, duas do médio oriente e uma cabo-verdiana, que chegaram no início do ano. As crianças já frequentam a escola, enquanto as mães estão a aprender português com uma professora voluntária e, preparam-se também, para começar a trabalhar em breve. Para Teresa Antunes – presidente da instituição – colaborar com esta causa «era um dever nosso», explicando que «o Padre Américo quando criou a casa respondeu às necessidades do seu tempo e isso é uma das coisas que fazemos».
Filipa Gonçalves é assistente social na instituição e revela que uma das crianças recebidas no seio desta iniciativa é uma menina, que fez dois anos no dia em que chegou à Quinta, tendo feito todo o trajeto nos braços da mãe. «É um percurso muito difícil até à Turquia e, se lá chegarem, têm de pagar bastante aos traficantes para os trazerem de barco», conta, acrescentando que «as mulheres que não têm dinheiro são violadas… Mas ao menos estes chegaram aqui, muitos não chegam». Para a assistente social, que tem lidado de perto com esta situação, as falhas por parte do Estado português, no que respeita ao acolhimento de refugiados, têm sido notórias: «há uma descoordenação nos serviços, na saúde, nos abonos», explicando que as mães ainda não conseguiram realizar os planeados exames médicos, devido a questões burocráticas e que as famílias não estão a receber qualquer abono relativo às crianças. Assim, há ainda um longo caminho a percorrer e Filipa Gonçalves descreve a experiência como «uma aventura, no bom sentido».
Mas o facto de, agora, a Casa do Gaiato auxiliar refugiados é apenas uma das mudanças. Desde 2014 – ano em que Teresa Antunes iniciou o seu trabalho –, a instituição tem vindo a sofrer uma reestruturação. A presidente considera que «o Padre Américo foi inovador no modelo pedagógico que criou, ao dar à instituição o sentido de casa», porém, esta era «uma resposta muito massificada», aponta, relembrando que a Casa já foi habitada, em simultâneo, por 150 rapazes, sendo, atualmente, o teto de 16.
Os jovens
Com a mudança da direção, a vontade de criar acordos com o Estado também surgiu, porém, para tal, seria necessário obedecer a determinados parâmetros que, à data, não se verificavam. «Quando cheguei, 37% dos rapazes tinham mais de 21 anos, o que até constituía uma situação de perigo para os mais novos», revela Teresa Antunes, acrescentando que esses jovens foram ajudados a seguir o seu caminho e, neste momento, «só estão aqui rapazes mais velhos porque têm deficiência». Foi neste contexto que nasceu a ideia de alargar o apoio a pessoas com deficiência, já que quando procuraram uma resposta para estes gaiatos, não a encontraram em Loures e, pelo contrário, depararam-se com uma grande necessidade no Concelho. Assim, a abertura de um núcleo de apoio a deficientes está prevista para setembro, incluindo um lar a tempo inteiro, mas também uma vertente de ocupação para pessoas com incapacidades, a funcionar apenas durante o dia. Estas obras de adaptação dos espaços estão a ser financiadas pela Cáritas, em conjunto com outros benfeitores. Já os apoios por parte do Estado continuam a ser inexistentes: «a informação é de que não há nenhum impedimento, nem técnico, nem de organização», refere a presidente da Casa do Gaiato, apontando que o problema talvez esteja na «vontade política». Atualmente, subsistem através de donativos, o que representa uma luta para pagar as contas, assim como os ordenados: «todos os meses vivo uma agonia», afirma.
A Casa, constituída, neste momento, pelo Lar de Infância e Juventude, pela Casa Mundo e por um Apartamento de Autonomia (externo à Quinta), conta com 22 funcionários, alguns deles antigos gaiatos, que têm hoje uma vida perfeitamente normal e integrada. «A nossa missão é, sobretudo, intervir nos ciclos de pobreza e esses antigos habitantes conseguiram sair daquela linha do miserabilismo, que é geracional e difícil de evitar», aponta Teresa Antunes.
Quanto às funções exercidas, vão desde a agricultura e a pastorícia, até ao auxílio com a educação, passando pela limpeza e pela cozinha. Emília Ferreira, que tem tido como principal função a de auxiliar de educação, integra a instituição há 29 anos e tem assistido a muitas mudanças: os rapazes, anteriormente, eram sujeitos a regras mais rígidas e quase não saiam das imediações da Quinta, até porque existia uma escola no seu interior. Hoje, estudam e praticam desporto no exterior, integrados na comunidade e são incentivados, cada vez mais, a prosseguir com os estudos. Quanto às relações criadas com os jovens, Emília Ferreira refere que tem aqui «sete afilhados, dois de batismo e de casamento» e que até já é «madrinha dos filhos deles».
Testemunhos na primeira pessoa
De facto, Jonas Schneider, de 23 anos, que foi acolhido aos três, considera os seus «irmãos» e os funcionários a sua família, afirmando que não se vê a deixar a instituição. Atualmente, trabalha, mas procura um emprego melhor e deseja concluir os estudos que ficaram pelo 6ºano. Bem-disposto, revela que as relações criadas com os outros gaiatos são insubstituíveis, até porque partilham a mesma história de vida. «Prefiro falar com uma pessoa que já passou pelo mesmo que eu», afirma.
Por seu lado, Rúben Coutinho, de 27 anos, residente há 21, refere que gosta de viver aqui, com os funcionários que «fazem papel de mãe e de pai» e «com os irmãos todos». «Nós somos todos unidos, para tudo. Se houver brigas na escola, se alguém tiver alguma dificuldade na vida, ou algum problema para falar…», comenta. Porém, ao contrário do companheiro, Rúben deseja ter, um dia, o seu emprego e a sua casa. No entanto, se, ao sair, algo não correr bem, tem sempre a certeza de ter, aqui, «uma porta aberta», como refere Teresa Antunes, acrescentando que já tiveram «um caso de um rapaz que tinha saído, teve um acidente e não tinha ninguém e fomos buscá-lo ao hospital». Trata-se, assim, de «um modelo mais humanizado, não há um corte aos 21 anos» e é mesmo neste sentido que existe a Casa de Autonomia – um apartamento no centro de Loures, com acompanhamento técnico – que faz a ponte entre a instituição e a «realidade».
Voluntários
No que respeita ao apoio por parte de voluntários, este tem, para a Casa do Gaiato uma grande relevância e, neste momento, existem algumas lacunas, essencialmente no que respeita ao apoio nos estudos para as crianças e jovens, sendo também necessários voluntários que ajudem a integrar as famílias de refugiados, «para saírem, para conhecerem os meios envolventes», aponta Filipa Gonçalves. A assistente social, relembra ainda, a importância da estabilidade para os gaiatos: «precisamos de voluntários que permaneçam», pois a constante entrada e saída de pessoas das suas vidas «é extremamente nocivo».
Da direção da Casa do Gaiato fica a promessa de continuar a quebrar os ciclos geracionais de pobreza, dando oportunidades aos mais desfavorecidos, sem perder de vista aquelas que são as necessidades da população.
Diana Martins