Eduardo Gageiro fotógrafo de Loures para o mundo
«QUANDO FOTOGRAFO TORNO-ME UM BICHO, ISOLO-ME» PARTE 2
3 de setembro de 2016
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A ditadura
A ditadura sempre o deixou triste e frustrado. Como viajava com frequência, fruto do trabalho e, essencialmente, dos prémios que ia ganhando por esse mundo fora, tinha noção do que era a liberdade. E era esse contraste que o entristecia, pois conhecia a diferença. Vivia incomodado por não poder falar e como revoltado que é não podia ficar indiferente.
25 de Abril
O 25 de Abril foi uma data mar¬cante para o País, como é do conhecimento geral, e estan¬do Eduardo Gageiro no Século Ilustrado não poderia deixar de estar presente. Chegou ao Terreiro do Paço e as ruas esta¬vam todas bloqueadas por solda-dos que tinham ordens expressas para não deixar passar ninguém. Entusiasmado e destemido, mas também nervoso, consciente que algo de novo se ia passar, pede para falar com o Comandante, de quem disse que era amigo pes¬soal, apesar de não o conhecer de lado algum. É assim que é levado até Salgueiro Maia a quem se identifica, mas a apresentação era escusada, pois a fama pre¬cedia-o e o Capitão de Abril já o conhecia, pois era leitor assíduo do Século, autorizando-o a andar sempre com ele. Foi assim que obteve as fotografias mais mar¬cantes daquela manhã, até por-que os outros fotógrafos estavam impedidos de passar e cheios de medo. Vários são os registos marcantes, como o de Salgueiro Maia a morder o lábio, que o fez para não chorar, no momento em que o Major Pato Anselmo deu ordem para abrir fogo, por três vezes, sobre Salgueiro Maia que, segundo Eduardo Gageiro, o soldado a quem incumbia essa tarefa só não o fez porque do outro lado estava o Manuel, um amigo deste. A prisão de Pato Anselmo também ficou registada, assim como outras histórias do momento.
Fotógrafo de pessoas
É assim que se assume, um fotógrafo de pessoas e não de paisagens. Tudo começou em Sacavém, onde assistia ao drama do quotidiano e às injus-tiças sociais, que não se esfu¬maram com o 25 de Abril, pois ainda hoje são evidentes. Refere o número da Cáritas Portuguesa, que há pouco tempo referiu que dois milhões e meio de portugue¬ses vivem no limiar da pobreza. As assimetrias sociais preocu¬pam-no e não é uma questão política, pois assume a sua neu¬tralidade nesta área, defendendo que não é filiado em nenhum partido político. Também o preto-e-branco o seduz, pois torna as fotografias mais reais, tensas e fortes. Quando fotografa torna-se um bicho, isola-se e não fala com ninguém. Não gosta de estar em grupo e só sai quando o evento termina, foi assim que conseguiu a célebre fotografia em que o caixão de Salazar é fechado.
Os Prémios
É o único fotógrafo Comendador, mas isso não é o mais relevante. Fala com maior ternura da expo¬sição da Universidade de Praga ou do Museu de Arte Mundial de Pequim, onde foi distinguido com três prémios, o da secção de trabalho, o Prémio Especial do Júri e o melhor conjunto de fotografias a preto-e-branco. Concorreram 35 mil fotografias! Posteriormente foi convidado para fazer uma exposição auto-biográfica no mesmo Museu, a sua coroa de glória.
Saúde
Um linfoma nos pulmões, com muitos gânglios colocou-o entre a vida e a morte, muitas vezes mais perto da morte. Durante seis meses recorreu a um tratamento de choque e as perspectivas não eram risonhas. É nesta altura, em que a doença o afecta de forma violenta que decide ir a Pequim, para a sua exposição no Museu de Arte Mundial de Pequim. Médicos e família não o aconselham a ir, devido ao estado debilitado em que se encontra, mas decide viajar. Se morrer morre feliz e é então que fica deslumbra¬do quando chega ao Museu em Pequim e sente que valeu a pena. Durante o processo de cura começa a preparar um livro. As fotografias escolhidas são em sépia e tristes, com muito isolamento à mistura, reflectindo o seu estado psico¬lógico. E é já no fim do livro que recebe a melhor notícia que podia ouvir naquele momento, está curado. Uma boa nova transmitida pela filha, mas que não o leva a alterar o livro, apenas a incluir três fotografias, as últimas, que são de esperança, que há luz ao fundo do túnel. A obra chama-se “Silêncios”.
Política
O tema não é o que mais simpatia lhe recolhe, porque apesar de ter vivido o antes, o próprio 25 de Abril e o depois não sente que o País esteja no caminho certo. O acesso livre à Educação e à Saúde criaram-lhe esperança, mas a esmagadora maioria dos políticos desilu¬dem-no. Só uma pequena percentagem tenta fazer algo por Portugal, num espíri¬to altruísta e com carisma. Os restantes são “frangos de aviário”, como o próprio define, em que os interesses pessoais são os únicos que interessam. Apesar de não estar filiado em nenhum partido, não esconde a admiração por alguns políticos, alguns amigos pes¬soais como o actual primeiro-ministro António Costa, que conhece desde que este tinha 10 anos. Foi amigo do pai, Orlando Costa e colega da mãe, Maria Antónia Palla, no Século, assumindo a boa formação intelectual e moral do ex-Presidente do município de Lisboa. Também Álvaro Cunhal e o economista Silva Lopes são alguns dos políticos que aprecia.
O Concelho
Desiludido com o anterior executivo e com algumas promessas não cumpridas, o que mais o magoa foi a alienação da zona do Parque das Nações afecta a Loures para Lisboa. Mas não só os polí¬ticos são os responsáveis, também as pessoas, nomeadamente os sacavenen¬ses, são responsáveis, pela falta de inte¬resse que têm em geral. Desde a política à cultura a participação é muito curta e isso entristece-o. Quando é chamado para intervir costuma sempre citar uma frase, de um dos muitos livros que leu, que o marcou profundamente “tu podes, assim tu queiras”.
Pedro Santos Pereira