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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

CesArt, o cesteiro da Chamboeira

6 de maio de 2023
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(continua na próxima crónica)

Na crónica de abril procuramos conhecer melhor o artesão César Pereira, um jovem que vive e trabalha na Chamboeira (povoação da freguesia de Bucelas), que desde a sua adolescência se tem dedicado à cestaria, arte de um saber fazer muito antigo pelo qual se apaixonou. Hoje é o seu modo de vida, a sua profissão, sem dúvida uma decisão corajosa, num tempo em que esta arte milenar desaparece à medida que os antigos mestres abandonam a atividade. Mas, felizmente não é o caso de César Pereira, pelo contrário, estamos na presença de um jovem perseverante, determinado que fala com entusiasmo sobre a cestaria!

Conversar com o César Pereira sobre a sua arte de cesteiro e sobre os materiais que utiliza é uma descoberta. As palavras correm rápido, fluidas e de um modo claro e simples ficamos a saber um pouco mais sobre os processos de produção desta a matéria-prima, a haste de vime e, o seu uso no fabrico dos vários objetos que encontramos no seu atelier.
Portanto, a crónica deste mês centra-se sobre o processo de produção dos vimes, das varas essenciais para a produção da cestaria. Na verdade, César Ferreira não se limita à sua arte de cesteiro, ele ambiciona mais e tornou-se produtor da matéria-prima que utiliza. Neste momento, encontra-se numa fase de expansão das suas plantações de vime e daqui a dois a três anos espera não só ter vime suficiente para o seu trabalho, como material para venda a outros artesãos. Longe vai a primeira experiencia, quando com treze anos tentou plantar as primeiras plantas junto ao curso da ribeira da Chamboeira, que secou nesse verão levando nessa seca os vimes… A situação atual é muito distinta, o César aprendeu como obter sucesso nas plantações e hoje tem várias parcelas de terreno dedicadas a esse plantio possuindo cerca de dez mil pés.
A plantação de um pé de vime leva algum tempo até atingir a sua rentabilidade máxima, cerca de dois a três anos. Considerando que tem várias plantações em diferentes estágios de desenvolvimento, umas mais novas que outras, possivelmente só daqui a três terá o retorno do seu investimento atual. Como já referi o seu propósito é o de assegurar matéria-prima essencial para desenvolver a sua arte milenar, mas também a venda de parte da sua produção agrícola. Atualmente em Portugal são poucos aqueles que se dedicam à produção de vime. À medida que a arte da cestaria vai perdendo os seus mestres, assim vão diminuindo as produções de vime…afortunadamente nós ainda conservamos no nosso concelho um artesão, com a sua marca registada, CesArt, que trabalha afincadamente no seu atelier onde podemos encontrar uma variedade de belos objetos de cestaria.
Voltando ao processo de plantação César informa-nos que as mesmas são realizadas entre fevereiro e abril e só voltam a ser colhidas entre dezembro e março. Na realidade, todo o processo para obtenção de varas de vimes leva um ano, a plantação deste ano só será trabalhada no atelier no próximo. Neste caso, as plantas são colocadas no tereno “à carreira”, ou seja, em filas como no caso das vinhas, onde os pés de vime são plantados em carreiras de 40 a 40 centímetros. Este tipo de plantação mais densa visa obter “um material mais miúdo” para usar expressões do próprio César, mais delicado, o que significa a produção de varas de vime mais pequenas que permitirem por sua vez fabricar objetos com um entrançamento mais fino.
Ainda antes do Verão, entre os meses de abril a junho é necessário proceder “à decapagem do vime”. No que consiste este procedimento? Ora bem, cada vara de vime ao crescer vai ganhando “filhos”, rebentos, que importa retirar para que a vara cresça mais em altura e de forma limpa, sem nódulos, características essenciais para um bom acabamento na fase do fabrico das peças em vime. Normalmente, são necessárias umas quatro decapagens. Com efeito, de quinze em quinze dias é fundamental ir limpando as varas. Processo sem dúvida demorado, se consideramos os dez mil pés de vimes plantados… não há tempo para paragens, durante todo o ano as plantações necessitam de cuidados.
Chegado o mês de agosto só raramente é necessário limpar as varas, mas com os dias mais quentes a rega torna-se imperiosa para garantir as condições de humidade essenciais para este tipo de planta. Nas suas plantações o César tem apostado numa rega gota a gota, afirmando que as suas plantações são amigas do ambiente, conseguindo não só otimizar o consumo de água, mas também reduzir o tempo de rega.
A colheita, ou corte dos vimes é realizada entre os meses de dezembro e janeiro, as hastes são cortadas como se fossem uma ceara. Segue-se o processo de seleção das varas de acordo com as suas características e potencialidades. As mais grossas são subdivididas e posteriormente laminadas para os empalhamentos. Os vimes mais finos, por sua vez, são utilizados por exemplo para o fabrico de cestos. Assim, alguns dos vimes ficam em bruto, ou seja, as varas de vime ficam com a pele e apresentam uma coloração castanha natural; outras varas de vime são destinadas para o fabrico da cestaria branca, produção que usa o vime em cru, e outras ainda são fervidas.
Para a obtenção dos vimes crus, despois de cortados, os mesmos vão novamente “à água”. Durante vários meses o pé da vara de vime fica mergulhado em água até maio, altura em que começa a novamente a rebentar sendo precisamente o momento ideal para efetuar a fase de descasque da planta. Após o descasque obtém-se uma vara limpa e branca, a tal que se usa para a cestaria branca. A par dos processos mencionados há uma parte do material que é fervido, cerca de dez a doze horas de água a ferver, sendo igualmente descascado após a fervura, conseguindo-se deste modo uma haste de vime de tom acastanhado.
Finalizamos esta crónica salientando que existem cerca de 50 variedades de vime em Portugal! No caso das plantações do César Pereira podemos encontrar duas variedades de vime encarnado, um vime mais verde e um outro mais amarelo. Por exemplo, o amarelo é mais macio sendo mais empregue nos empalhamentos ou nos trabalhos mais minuciosos, uma vez que são mais fáceis de manusear. Em contrapartida, os vermelhos são plantas que dão varas mais limpas, o que implica menos trabalho na fase da decapagem da planta. Há muitas outras variedades que o César ainda não plantou, reforça que continua a aprender e que ainda tem muito por explorar.
O tema da cestaria e das plantações de vime e seu tratamento está longe de estar esgotado. Termino salientando que o atelier CesArt está integrado na Rota dos Vinhos de Bucelas, Carcavelos e Colares sendo um dos muitos aderentes. Convido os nossos leitores a conhecerem o trabalho deste artesão!

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