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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Cantar as Janeiras exemplo de uma tradição popular

4 de fevereiro de 2024
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O início do mês de janeiro é marcado por uma tradição popular de cariz religiosa que de certo modo finaliza para os católicos as celebrações natalícias, as celebrações relacionadas com a natividade, ou seja, as conhecidas Janeiras ou o ato de Cantar as Janeiras. Estas são festividades que embora cada vez mais raras, ainda vão acontecendo em algumas povoações do nosso país. No concelho de Loures algumas instituições organizam todos os anos grupos para “Cantar as Janeiras”, exemplo disso foi o polo de Bucelas da Academia dos Saberes ou o CURPI de Vale de Figueira para mencionar apenas dois que no passado dia 6 de janeiro cumpriram a tradição.
As festas das Janeiras, normalmente associadas ao Dia de Reis são uma prática cristã que evoca a visita dos três Reis Magos do Oriente - Belchior, Gaspar e Baltazar - ao recém-nascido Jesus Cristo. Trata-se de um costume antigo que terá surgido no século VIII e que perdura até hoje, sendo nesse dia que a tradição determina, não só o desmontar dos presépios, mas também a arrumação dos enfeites natalícios, encerrando-se de certo modo um ciclo do ano.
Assim, as Janeiras são cantadas por grupos de familiares, amigos e/ou conhecidos que se deslocam de casa em casa, ou se reúnem num sítio central, podendo ser acompanhados por instrumentos musicais tradicionais como pandeiretas, ferrinhos ou acórdão. Nas cantigas os grupos desejam aos ouvintes as boas festas e um feliz ano novo, constituindo este ritual uma manifestação das tradições musicais populares, património imaterial que urge valorizar.
Embora os grupos de cantam as Janeiras possam ser encontrados em meios urbanos, na verdade é uma tradição muito vinculada ao universo rural. Cantar as Janeiras reporta-nos para um momento em que o ano se dividia em tempos de trabalho e tempos de recreação, onde cantar, tocar e dançar eram momentos importantes para a socialização e consolidação dos laços comunitários. Podemos dizer que o ano se dividia em dois grandes períodos: a época da Quaresma, onde não era permitida qualquer manifestação de festejo e alegria, respeitando-se assim o dogma religioso; e o resto do ano, onde era obrigatório cantar determinadas músicas do reportório popular em momentos específicos.
Consequentemente, no mês de janeiro em várias regiões do país, era usual Cantar as Janeiras, preservando-se ainda um vasto reportório, como nos atestam alguns estudos de etnomusicologia. Também no Carnaval se cantava e dançava o “Entrudo” de porta em porta e nos bailes animados pelos foliões. Já na Semana Santa os cânticos assumem uma feição mais religiosa, próprios para as cerimónias realizadas em espaços sagrados como as igrejas. Não posso deixar de mencionar as festas religiosas em louvor dos santos venerados pelo povo, onde também se entoavam e cantam determinados cânticos.
Portanto, sendo as Janeiras uma tradição popular relacionada com as celebrações natalícias, termino com algumas considerações relativamente ao papel dos Magos ao longo do Cristianismo, nomeadamente durante os inícios da Idade Média. Os Magos e a sua simbologia sofreram mutações ao longo dos séculos. Inicialmente são descritos nos textos mais antigos como simples Magos vindos do Oriente. No entanto, na atualidade celebramos os Reis Magos, que além de figuras da realeza foram também santificados. As suas supostas relíquias repousam na Catedral de Colónia, na Alemanha, constituindo um relevante local de veneração.
Um dos textos mais antigos onde são descritos é no Evangelho de Mateus, texto canónico e, portanto, uma narrativa aceite pela igreja. Neste Evangelho, os Magos vindos do Oriente, seguiram uma estrela até ao local onde se encontrava Jesus recém-nascido, transportando consigo presentes: ouro, incenso e mirra. Os Magos representam os gentios que aderem à fé de Cristo, mesmo sem conhecerem as profecias que predizem a vinda do Messias. Mas, outras fontes também mencionam a presença destes três Magos como certos textos apócrifos: o Protoevangelho de Santiago (provavelmente escrito entre o século II e o século V); o Evangelho do Pseudo Mateus (datado filologicamente do século VIII ou IX); e o Evangelho Árabe da Infância (o qual deriva de outras fontes antigas que segundo o autor árabe Ahmed Ibn Idris terá sido o quinto evangelho de Pedro, somente publicado em 1677). Ao longo da Idade Média assistimos a uma transmutação dos Magos para figuras da realiza, Reis Magos e, posteriormente, para seres santificados. Ainda há pouco tempo eram estes Reis Magos que “traziam” os presentes destinados às crianças nos inícios de janeiro, tradição que foi sendo substituída pela figura do Pai Natal…

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