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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Um republicano notável para o seu tempo

Augusto Dias da Silva

6 de outubro de 2018
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Próximo da data em que se comemora mais um aniversário da República portuguesa julguei oportuno dedicar esta crónica a uma figura pública, político e jornalista, que se destacou pelo seu empenho e seus projetos em defesa da melhoria de vida dos mais desfavorecidos, Augusto Dias da Silva. Este notável cidadão destacou-se pela sua perseverante ação política, quer como Ministro do Trabalho no governo de 1910 liderado por José Relvas, quer como deputado, quer ainda como vereador da Câmara Municipal de Loures entre 1919 e 1926.

Augusto Dias da Silva nasceu em Lisboa a 6 de novembro de 1887, filho do industrial Manuel Dias da Silva, proprietário da Fábrica Nacional de Ferragens. Assumiu o negócio de família após a morte do pai, juntamente com o sócio Henrique de Sommer. Para além desta atividade, Augusto Dias da Silva era também proprietário em Santo Antão do Tojal, e por isso estava familiarizado com os problemas agrícolas da várzea de Loures, a qual, gradualmente, durante o século XIX, se tinha tornado uma zona alagadiça. Uma das suas intervenções mais notáveis foi um projeto integrado de ressurgimento da várzea de Loures, datado de 1920.

Como figura pública lutou afincadamente pela defesa das condições de vida dos mais desfavorecidos, especialmente os operários, ideais expressos não só em textos que ia publicando e projetos que elaborava e amplamente defendia, como em diplomas legais que conseguiu fazer aprovar, como o da Lei das Oito Horas, quando foi Ministro do Trabalho da 1ª República em 1919. Com efeito, Augusto Dias da Silva foi o primeiro socialista a integrar um governo republicano em Portugal, a convite de José Relvas; esse governo, como é sabido, procurou opor-se às correntes sidonistas presentes na sociedade portuguesa.

De facto, Augusto D. da Silva defendeu sempre a implantação de políticas de caráter social, em consonância com a sua opção política, membro que era do partido socialista desde 1905. Mas ele não foi só um político; lutou também pelas suas ideias como jornalista, tendo sido colaborador do jornal O Socialista, e desempenhado o cargo de diretor do diário da tarde O Combate.

Nesta crónica não é possível abordar tudo aquilo que procurou realizar enquanto Ministro do Trabalho; apenas destacar algumas das suas ideias, por sinal expressas, em entrevista publicada no jornal O Século de 28 de fevereiro de 1919. Era necessário, a seu ver, e bem, ultrapassar as condições sociais miseráveis da classe trabalhadora, e para isso tornava-se imperiosa a publicação de leis e a concretização de medidas que fomentassem a diminuição do desemprego, num contexto muito difícil do pós-guerra, que garantissem a existência de seguros de trabalho, assim como a assistência na doença, reforma para os idosos, e regulamentação do horário de trabalho, além da criação de habitação social. Era uma época em que as doenças infeciosas dizimavam muita gente; lembremo-nos de como a “gripe pneumónica” de 1918 causou uma gravíssima mortalidade a nível nacional, afetando sobretudo, claro está, as populações mais pobres, mal nutridas e a viver em bairros insalubres, fatores decisivos para a propagação desse tipo de enfermidade.

Focando agora a nossa atenção somente no seu desempenho enquanto vereador da Câmara Municipal de Loures, eleito para o cargo a 25 de maio de 1919, é impossível não citar o seu já mencionado projeto para o ressurgimento agrícola da várzea de Loures, plano de desenvolvimento que iria beneficiar todo o concelho, na medida em que promovia o crescimento económico e a melhoria das condições de vida de todos os que habitavam na região. O principal desafio consistia em transformar uma lezíria praticamente improdutiva numa várzea “mimosa”, como ele dizia, agricolamente pujante, fornecedora dos mercados lisboetas.

A concretização deste plano implicava três linhas de ação: promover o escoamento das águas que encharcavam o solo durante as chuvas de inverno; garantir a rega dos campos agrícolas durante a época estival; e promover o desassoreamento do rio Trancão e seus principais afluentes, não só para garantir o escoamento das águas pluviais, mas também para assegurar a navegabilidade como já acontecera em tempos não muito recuados. Para tal importava, além desse desassoreamento, abrir canais que ligassem a foz do rio Trancão à Abelheira, Loures e Calçada de Carriche. Assim, a produção agrícola seria escoada por barcos até Lisboa, aumentando desse modo os fluxos de pessoas e de bens no Concelho de Loures, e consequentemente a produtividade e riqueza desta periferia lisboeta.

Para acautelar a rega dos novos campos, enxutos e produtivos, pensou construir um reservatório ou albufeira junto ao Freixial, como meio de armazenar as águas da chuva que anualmente inundavam a bacia do Trancão. Para isso a Câmara Municipal de Loures deveria adquirir os terrenos necessários à obra em questão.

Mas, socialista e republicano, tinha outros objetivos, que iam para além do desenvolvimento económico geral da região que representava; os aspetos sociais da mesma região e suas populações não deveriam ser descurados. Nesse sentido, era igualmente fundamental a criação de uma escola moderna, de um hospital e de uma rede telefónica de comunicação entre todas as freguesias do concelho e a capital do país, para evitar a tendência para o isolamento.

Augusto Dias da Silva foi como se vê uma figura singular, com uma visão para o concelho de Loures que implicava o seu desenvolvimento em várias áreas. Hoje, o seu busto está no Largo da Liberdade em Santo Antão do Tojal, homenagem justa a um homem que no início do século XX sonhou com um mundo melhor.

Se estas notas lhe suscitaram o desejo de aprofundar o seu conhecimento sobre este político, recomendo a leitura do livro de Maria Máxima Vaz, minha estimada professora de História, intitulado “Augusto Dias da Silva. O Sonho e a Obra” (CM de Loures, s/d.). Obra hoje esgotada, consultável em bibliotecas, mas cuja reedição seria ainda oportuna.

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