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Cristina Fialho – Chefe de redação
Cristina Fialho
Chefe de redação

Editorial

Mau tempo no Canal

3 de abril de 2021
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Estamos tão ávidos de uma nova história que foi até entretenimento a notícia do porta contentores Ever Green bloqueado no Canal do Suez.

De graça não teve nada, pelo que significa:

- Foram precisos três dias e meio para desencalhá-lo;

- O Canal do Suez é responsável por 12% do comércio mundial e onde transita entre 5% e 10% do petróleo transoceânico do mundo e do gás natural;

- Retenção de mercadorias: 8100 milhões de euros diários, de acordo com a Lloyd’s List;

- Prejuízo monetário por hora: 350 milhões de euros;

- O tráfego até ao ocidente através do Canal do Suez tem um valor diário de 5100 milhões de dólares (4322 milhões de euros), enquanto em direção a oriente está avaliado em 4500 milhões de dólares (3800 milhões de euros);

- Quilómetros usando a rota pelo Canal do Suez - 18520 quilómetros; Usando o Cabo da Boa Esperança: 25002 quilómetros.

Usamos estas “desgraças” de “lá longe” como quase uma notícia cómica. Pfff … um barco encalhado! Obrigada jornal, 25 indianos todos vivos mas não em perigo. Desta vez é “só” dinheiro! E ficamos aliviados porque no meio disto tudo não estamos a engolir em seco e a treinar a imunidade ao número de mortes diárias que já nos habituamos a ignorar.

A nossa compaixão está a morrer, estamos a perder a capacidade da empatia e 11 mortos num dia já é “bom” 12 meses depois de temermos o nosso primeiro óbito para a pandemia.

Os nossos adolescentes não sabem a diferença entre perda e falta.

Uma perda não volta, uma falta é temporária.

Há situações na vida deles pelas quais esperaram a vida toda (ou a maior parte da sua existência) que não vão poder viver - a viagem de finalistas, a entrada na faculdade com vida de caloiro e praxes, eventos que eles acham que acontecem uma vez na vida.

E vivem com a mesma tristeza que vivem a perda de alguém que perdem com o vírus. Gerem a dor da mesma maneira e muitas vezes não sabem como se sentir.

Como adultos desvalorizamos o que achamos que é drama” pelas nossas vivências tão mais cheias e diversificadas mas é preciso dar conforto numa fase em que as emoções são tão intensas e legítimas. Os miúdos mais felizes até agora ainda não têm ferramentas.

É só o que conhecem.

Se a nós também nos custa, a eles também e ainda mais, “ser jovem não é um gosto, ter de encarar o futuro com borbulhas no rosto” já dizia o Rui Veloso que tanto sentido fazia. A nossa compaixão está a morrer e os media já não nos estão a servir.

É a mesma ladainha como se já não fosse impressionar. Os nossos líderes foram ingénuos e agora são fracos. Temos de ser nós a renovar a nossa sede de recuperar o que nos fazia ser feliz.

E sobretudo, precisamos mesmo de uma nova história.

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