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Entrevistas

Entrevista a Duarte Morgado

Provedor da Misericórdia de Loures

5 de setembro de 2020
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Duarte Morgado é o Provedor da Misericórdia de Loures. Oriundo de Alcobaça, com 32 anos de idade, dedicou parte da sua vida à Igreja como sacerdote. Hoje, tendo pedindo dispensa do exercício do ministério, continua a missão de ajudar o próximo, com projetos sociais e muita vontade de fazer mais. E o novo edifício está já aí à porta. Terreno já há.

Desde quando sentiu a vocação ou o sentido de missão para ajudar o próximo?

Desde cedo que senti vontade de querer fazer bem, porque me sentia feliz, e percebi que as pessoas também ficavam felizes. A bondade passou a ser uma meta, mas também uma condição de vida e que ainda hoje define os meus princípios de atuação. A vocação é um chamamento e aí posso dizer que foi a experiência de estar e de colaborar em comunidade que me foi chamando a fazer parte de um todo diferente, onde a Igreja e a sua fé em Jesus dão forma, corpo e contexto a este olhar diferente, diria, transformador.

Quando chegou a Loures a que se propunha como padre?

Quando fui nomeado como Coadjutor/Vigário-Paroquial pelo Senhor Patriarca D. José Policarpo, para servir em Bucelas, Fanhões, Loures, Santo Antão do Tojal e São Julião do Tojal, senti uma grande alegria porque sabia que iria dar tudo para contribuir para o bem daquelas comunidades. Sabia que acima das imperfeições e dos medos que trazia comigo, queria marcar a diferença pelo modo de me dar às pessoas. Vinha obedecer e servir sem cair na tentação do “fazer por fazer”, mas entrar no sentido das coisas e dar o melhor possível, ainda que tenha consciência de que gostaria de poder fazer mais e em algumas situações, melhor.

O que encontrou na misericórdia de Loures?

A tomada de consciência sobre a existência da Misericórdia de Loures foi uma surpresa decorrente de um encontro inesperado num dia em que ali celebrei Missa a pedido do seu Capelão, o Pe. Chico. Entretanto logo ali fiquei curioso em perceber qual a dimensão e o modo de atuação da instituição e quando menos esperava foi-me lançado o desafio de acompanhar também um pouco mais as ações que ali se iam desenvolvendo no âmbito da ação social. Foi assim que me fui aproximando e interessando em ajudar a Misericórdia de Loures a ser uma melhor resposta às necessidades existentes no Concelho de Loures. Encontrei uma instituição humilde, dedicada ao bem comum e com algumas necessidades do ponto de vista da gestão e da estratégia, e carecia de um olhar mais atualizado sobre a economia social e de como integrar toda a instituição nesse mesmo âmbito. Encontrei acima de tudo uma casa familiar com vontade de fazer mais e melhor e onde fui bem recebido e convidado a ser útil e colaborar nas várias dinâmicas implementadas.

Quais as respostas que a Misericórdia tem e quantas pessoas serve?

A Misericórdia de Loures atua em diferentes áreas. Em primeiro lugar temos um apoio de prolongamento de horário para crianças em idade pré-escolar e do ensino básico no Bairro Municipal da Manjoeira, em Santo Antão do Tojal. São crianças entre os 3 e os 10 anos de idade e que ali diariamente contam com aquele espaço de proximidade e de acompanhamento entre as 7h e as 19h nos dias úteis.
Depois temos o SEMAS – Serviço de Equipa Multidisciplinar de Ação Social, que faz, através de atendimentos sociais, acompanhamentos e/ou encaminhamentos sociais. O SEMAS disponibiliza também apoio alimentar, ajuda pecuniária e apoio à aquisição de medicamentos, no âmbito do Programa Abem – Rede Solidária do Medicamento.
Contamos ainda com o espaço da Loja Solidária no Centro Continente de Loures, perto do Hospital Beatriz Ângelo, com o objetivo de angariar fundos para os nossos projetos sociais. Este projeto conta com o apoio do Centro Comercial, com alguns parceiros e com o apoio da comunidade que oferece os artigos ali vendidos em segunda mão, por vezes de outros lojistas, empresas ou fábricas que se unem à nossa causa; e conta com a ajuda do Corpo de Voluntários da Misericórdia de Loures, que dá o seu melhor para que aquele espaço seja familiar e de proximidade.

Quais os principais desafios que tem para o futuro da Misericórdia de Loures?

Os desafios maiores que a Misericórdia de Loures tem pela frente são os mesmos que todas as instituições de solidariedade social, que, como sempre, são chamadas a ser uma resposta na linha da frente no apoio social, e que vivem maioritariamente de apoios ou de subsídios e que procuram sobreviver às dificuldades que todos vamos conhecendo. Cada vez mais o setor social é convidado a repensar-se e a reinventar o modo de proceder para que as suas respostas sejam úteis, concretas, sustentáveis. De nada interessa continuar com o modelo tradicional do assistencialismo que vive do subsidiarismo. Não se pode continuar a viver de acordo com um modelo esgotado e sem capacidade de se manter. Por essa razão se fala nas melhores escolas de gestão e onde este tema está em cima da mesa, de negócio social. O que muda em relação ao tecido empresarial é o objetivo do lucro. O objetivo do lucro obtido está no investimento na própria comunidade, na sociedade onde a IPSS está inserida. Criar respostas, empregabilidade e contribuir para a qualificação da vida das populações é o sentido de toda a ação da Misericórdia. Cumprir as Obras de Misericórdia é assumir o desejo pleno de participar na transformação positiva da sociedade. Se não for para isso, estaremos a perder tempo, recursos e acima de tudo, vida.

Pode descrever o projeto em cima da mesa para o novo edifício?

O projeto que atualmente se encontra sobre a mesa e no horizonte mais próximo da Misericórdia de Loures consiste na implementação na localidade da Paradela, em Santo António dos Cavaleiros, de uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (Lar), um Centro de Dia e um Serviço de Apoio Domiciliário. Esta resposta vai ao encontro das necessidades identificadas naquela freguesia deste equipamento a partir do Diagnóstico Social de 2019, desenvolvido pelo Município de Loures. A fase em que nos encontramos de momento é de análise à proposta do estudo prévio que dará lugar ao projeto em si, já com as especialidades definidas, nomeadamente com a parte da arquitetura bem delineada e já capaz de nos oferecer uma previsão do edificado em si que contará com um espaço dedicado à Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, vulgarmente designado lar, onde poderá estar integrado uma área específica para Centro de Dia, e os beneficiários terão a possibilidade de aceder a uma série de ocupações e de estímulos que lhes permitirá ter mais qualidade nas suas rotinas quotidianas. O restante equipamento terá espaços consagrados à orgânica própria da instituição, espaços dedicados à formação, administração, aos serviços administrativos, e à vivência da fé (Capela).

De que forma está a Misericórdia integrada com a comunidade?

As Misericórdias nascem nas e das comunidades, resultando de uma consciência bastante clara a propósito da necessidade de existirem respostas úteis, funcionais e transformadoras preenchendo lacunas na vida de muitos. A Misericórdia de Loures resultou da boa vontade de um grupo de pessoas interessadas em marcar essa diferença na arte de fazer bem, querendo apresentar mãos e braços para trabalhar junto de quem sabia existirem carências várias onde muitos apoios não chegavam. Pela natureza destas instituições chegou esse momento em que o grupo se tornou numa Irmandade e volvidos 23 anos, a comunidade reconhece a existência deste grupo, que de modo bastante discreto tem vindo a cooperar com algumas instituições locais no serviço social, ora formalmente ora informalmente. Os Irmãos são pessoas de diversas freguesias, maioritariamente do Concelho de Loures, e uma parte bastante significativa advém da realidade pastoral paroquial. Contudo a Misericórdia de Loures é hoje uma Irmandade rodeada de Amigos, Empresas Amigas, Voluntários e Benfeitores que ao longo do tempo se têm vindo a intensificar e a olhar para a instituição como uma Casa da e para a ampla e tão diversificada comunidade do Concelho de Loures.

De que forma podem as pessoas e as empresas ajudar a Misericórdia de Loures?

Fazer bem passa por muitos gestos e ações e todo o bem que cada um possa fazer será para a Misericórdia uma grande ajuda. Porque a nossa intenção é contribuir para uma mudança positiva, de futuro, de esperança. Quem pretenda ajudar poderá fazê-lo de diversos modos: monetariamente através de donativos que permitam a sustentabilidade da instituição; entrega de bens para a Loja Solidária (artigos em 2ª mão – roupas, brinquedos, peças decorativas, ...); através do voluntariado nas diversas equipas juntos dos vários projetos a decorrer; e poderá sempre ajudar com sugestões, críticas e opiniões justas e honestas que permitam uma boa avaliação do trabalho feito e na criação de novas respostas que tenham em conta a sustentabilidade financeira e económica, e a capacidade de criar respostas onde sejam necessárias.

Considera Loures uma terra de gente solidária?

Loures é uma terra de muitos povos, de uma forte interligação cultural que se manteve durante séculos como terra de passagem, de investimentos vários, de presença por questões de habitação e de empregabilidade de outros que vieram para aqui fazer vida. Nessa miscelânea entre uns e outros nasceu uma região onde a solidariedade é um modo de estar permanente. Tenho testemunhado isso mesmo desde que aqui resido e é nessa base que a Misericórdia quer desenvolver o seu trabalho. Não pode haver solidariedade junto de quem nada queira fazer, porque o bem exige entrega, trabalho, esforço, dedicação e sacrifício. Quando Loures encontra isso diante de si, então abre-se a uma solidariedade extraordinária coletiva capaz de chegar a resultados com muito sucesso. Prova disso mesmo é a quantidade de associações de diferentes vertentes e de IPSS que existem no Concelho. O ganho para todos é o sucesso das suas ações, e se muitas vezes há resultados de excelência em projetos e ações nestas instituições, isso por vezes só é possível porque na base há uma grande solidariedade que pensa na sustentabilidade das mesmas. Neste caminho ninguém pode andar sozinho.

Que mensagem gostaria de deixar a todos os Lourenses?

Gostaria de dizer que podem contar com a Misericórdia de Loures num caminho de fidelidade aos princípios que a constituem e que é vontade da Irmandade ser um sinal muito claro de esperança num tempo de incertezas e de muitas pressões. A missão maior que assumimos foi viver e agir pelo bem comum. Os lourenses poderão contar com o desejo sério e comprometido de concretização das Obras de Misericórdia, enquanto houver necessidade entre si. A Misericórdia de Loures só terá razão de existir enquanto o bem comum não estiver assegurado.

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