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Entrevistas

O NL foi conversar com Júlio Pereira, a figura mais conhecida na arte de tocar cavaquinho

«O artista afasta-se sempre do seu ponto de partida»

8 de janeiro de 2018
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O NL foi conversar com Júlio Pereira, a figura mais conhecida na arte de tocar cavaquinho. Oriundo de Moscavide, este artista conta-nos como passou do rock para música tradicional portuguesa, do seu último disco, do cavaquinho e da Vila que o viu nascer.

Júlio Pereira, o Mestre do Cavaquinho, viveu até aos 17 anos em Moscavide, onde começou a desenvolver a sua veia artística, que iniciou aos 10 anos. Nesta entrevista, o autor fala-nos do seu percurso musical, do cavaquinho, do último disco “ Praça do Comércio”, do apoio à cultura e das experiências em Moscavide. Um pequeno resumo de uma vida cheia de experiências, cuja evolução está sempre presente, ele que já foi condecorado pelo Município e pelo País.

Moscavide

Júlio Pereira, mestre na arte de tocar cordas, especialmente o cavaquinho, é produto de Moscavide, onde viveu até aos 17 anos. As recordações são agridoces, pela positiva foi nesta Vila que se iniciou na música, “obrigando” o seu pai (também músico) a ensinar-lhe a tocar bandolim, aos sete anos, assumindo-se como músico “profissional” desde os 11 anos, sendo o “puto” que tocava com os mais graúdos. Algo que tinha de fazer às escondidas, pois o pai não apreciava que o fizesse.

Foi também em Moscavide que formou a sua primeira banda, os “Playboys”. Dessa altura ainda mantém contato esporádico com alguns membros da banda como Fernando Carlos, Jorge Sebastião e João Seixas, sendo que este último chegou posteriormente a tocar percussão com Júlio Pereira durante cinco anos. No entanto, o seu amigo mais antigo é Fernando Grancho, de Moscavide também, o único com quem ainda se vai encontrando com frequência. Outra recordação positiva são os bailes, momento em que rapazes e raparigas se juntavam, pois as escolas não eram mistas. Denominava este momento com a “Santa Saída”, onde ele e os seus amigos podiam confraternizar com o sexo feminino, apesar da “marcação apertada” efetuada pelas mães ou tias das mesmas.

Pela negativa foi o preconceito que sentiu quando mudou a sua aparência, após ter comprado a sua primeira guitarra elétrica aos 10 anos, deixando crescer o cabelo e sendo olhado com desdém. O cabelo comprido, o ser músico de rock (um estilo pouco apreciado na comunidade) e o som que produzia nos ensaios (efetuados nos quintais) não ajudavam a uma boa vizinhança.

O abandono do rock

A variação da música que produzia iniciou-se em França, mais concretamente no Strawberry Studios, local emblemático onde gravavam, por exemplo, os Pink Floyd. Na altura, em 1972, estava a gravar o álbum “Mestre” com os Petrus Castrus, quando conheceu José Mário Branco. Foi a partir daqui que tudo mudou pois, após a Revolução de Abril, José Mário Branco regressa a Portugal e é convidado, juntamente com Fausto, para a primeira peça musical pós-25 de Abril, que se chamava “Liberdade, Liberdade”.

É neste momento que José Mário Branco convida Júlio Pereira para integrar o elenco e o sucesso alcançado, esteve cerca de um ano no Teatro Villaret com sala cheia, dá-lhe outra notoriedade, pois os principais compositores nacionais assistiram à peça e reconheceram a sua qualidade nas cordas. Daí para a frente os convites surgiram naturalmente, passando a fazer parte do elenco musical de vários artistas, tendo sido Fausto o primeiro a convidá-lo. É a partir deste momento que o seu estilo musical vai alterar-se, começando a trocar a viola elétrica pela acústica. Daí até chegar à música tradicional portuguesa foi um instante, pois foi embebendo conhecimento com os artistas com quem colaborava. Cada um deles tinha uma sensibilidade particular para determinada região, o que alargou horizontes. Fausto tinha uma predileção pela música de Trás-os-Montes, Zeca Afonso pela Beira Baixa, José Mário Branco pelo Alentejo e assim sucessivamente. Esta aprendizagem como instrumentista foi determinante para o seu trajeto futuro, pois no período anterior à Revolução este conhecimento não era habitual, em virtude do programa televisivo existente apenas passar ranchos folclóricos semelhantes, independentemente de a origem ser algarvia ou minhota.

É neste momento que o cavaquinho entra na sua vida e, em 1978, quando começa a tocar com Zeca Afonso, este pede-lhe para nos seus concertos tocar algumas músicas instrumentais com este instrumento. Um momento em que além de permitir descansar a voz a Zeca Afonso, permitia dar a conhecer de forma mais abrangente o cavaquinho.

Cavaquinho

Foi a partir desta altura, tal o sucesso alcançado nos concertos atrás referenciados, que Júlio Pereira se começa a dedicar com mais intensidade ao cavaquinho. Assim, em 1981 surge com naturalidade o álbum de sua autoria “Cavaquinho”. Apesar do sucesso, só 33 anos depois Júlio Pereira volta a editar um álbum com este instrumento como pano de fundo “Cavaquinho.pt”, tendo prosseguido com a viola braguesa e o bandolim. No entanto as bases estavam lançadas em 1981 e 2014 serviu apenas para relembrar esse período, daquele que é reconhecido como o “Mestre” deste instrumento.

Daí ter criado a Associação Cultural Museu Cavaquinho, em 2013, fruto de uma pesquisa internáutica feita em 2012, onde descobriu uma quantidade enorme de construtores e grupos de cavaquinhos. Entendeu que esse património devia ser divulgado, assim como a sua história, os construtores e quem toca este instrumento, que pode ser consultada em cavaquinhos.pt.

Praça do Comércio

A crítica tem sido muito positiva a este último disco. Representa um aglomerado de experiências e de agregação de cultura, absorvidas ao longo da vida. Além disso a música instrumental toca quem ouve de formas diferentes. O nome tem a ver com a imponência do local, mas também do sítio onde se partilham experiências, se fazem trocas, onde se evolui. Aliás, a evolução é condição permanente do artista/criador que, com o tempo, se vai afastando do ponto base em direção ao infinito. Daí não ser estranho encontrar em “Praça do Comércio” influências que vão desde o nosso País até ao Norte de África, passando pelo Brasil, por exemplo.

O apoio à música

Os apoios são residuais, em especial para quem produz jazz, música clássica ou, agora designado, world music. Basta ver quem são os meios de comunicação que difundem esse tipo de música, resumem-se a duas rádios, a Antena 1 e a TSF, sendo natural que quando se produz um disco destas influências musicais há uma certeza, quase ninguém vai saber que ele existe. É natural que os incentivos a estes estilos de música tenham de ser diferentes daqueles que existem à música pop. Hoje as rádios passam música pop nacional e internacional, o que significa uma limitação. Os portugueses imitam o estilo anglo-saxónico e reduzem a sua criatividade e o poder negocial, que resulta na diferença. Caminhamos para uma estereotipificação da música, com a benevolência de todos.

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