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Entrevistas

Entrevista a Susana Arrais e Catarina Aidos, responsáveis artísticas do Teatro IBISCO

«É haver interesse em valorizar o que dá futuro às pessoas»

30 de novembro de 2017
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O Teatro IBISCO tem uma nova peça, “My body, my rules”, que estreou no IPDJ no passado dia 18 de novembro. Esse foi o pretexto para falarmos com Susana Arrais e Catarina Aidos, as responsáveis artísticas do Teatro, por onde deambulámos sobre o percurso do IBISCO, desde a sua criação até aos dias de hoje.

Como é que chegaram ao Teatro IBISCO? Como é que surgiu o projeto? Como chegaram à Quinta da Fonte?

Susana Arrais (SA): Chegamos à Quinta da Fonte por causa do Miguel, que começou com o workshop na Quinta do Mocho e depois com aquela ideia de, em vez de fazer um workshop com os jovens da Quinta do Mocho, fazer com os restantes jovens. Foi a proposta do Miguel em resposta ao convite do programa Escolhas para fazer esse workshop. Um dos grandes problemas é que inicialmente não havia propriamente um espaço. Nessa altura não acompanhei de perto, dando um apoio mais de fora e a apresentação do primeiro espetáculo foi a “Escolhas de vida”, em Loures, junto aos Paços do Concelho. Foi a partir daí que percebemos que não podíamos parar, que tínhamos de procurar um espaço e surgiu o atual na Quinta da Fonte, que tinha todas as características físicas para ser utilizado como teatro e que não estava a ser utilizado para nenhum fim. Queríamos fazer um trabalho continuado e formalizar o grupo e aí se criou uma associação com os que estavam na altura no IBISCO. Daí criaram-se parcerias, protocolos para criar uma estrutura que tinha como objetivo ficar e crescer com os bairros, com as pessoas.

Sabendo que existia uma rivalidade entre parte da Quinta da Fonte e da Quinta do Mocho, como foi terem sediado na Quinta da Fonte? As pessoas na Quinta do Mocho continuaram a participar?

SA: Houve alguma dificuldade, sim. No início havia muita apreensão mas como o primeiro espetáculo foi um sucesso e foi numa zona neutra, tal facto abriu pontes para se garantir os transportes para quem desejava continuar. Quando estavam lá dentro criava-se a consciencialização de cada um ser “embaixador” da boa vontade nos próprios bairros. Ser bem recebido no bairro rival e receber bem eram pilares indispensáveis. Através do teatro, uma das valências deve ser sabermos colocarmo-nos no papel do outro.

Nesse aspeto, a representação abre novos horizontes?

SA: O teatro tem essa magia, porque obriga-nos a sair de nós próprios. “O que seria se eu estivesse naquele sítio?”, o que é bonito é ver a criatividade das pessoas nessas situações, assim como as reações que se criam, nomeadamente de emoção.

Como foi o começo no IBISCO, Catarina?

Catarina Aidos (CA): Cheguei ao IBISCO muito mais tarde, já num processo em que o teatro estava consolidado nos bairros, em que os participantes já entendiam porque ali estavam, portanto tive a vida muito mais facilitada. Cheguei depois de acontecer o primeiro festival “O Bairro i o Mundo” que foi um ponto de viragem para o Teatro IBISCO.

Quando cheguei encontrámos um espaço em que eu estaria dedicada, que era o departamento educativo. O Teatro ainda não tinha encontrado uma forma de acolher as crianças dos bairros, porque as necessidades e a linguagem são diferentes e o tipo de abordagem artística também é diferente, então encontrámos essa forma de criar o departamento educativo. Nessa altura, final de 2013, a presença do IBISCO na Quinta da Fonte era inquestionável e consensual pelos participantes, mas também por toda a comunidade, instituições. Na altura já havia reconhecimento académico e potenciais financiadores, cientes que o Teatro era uma mais-valia e necessidade. Quando cheguei, dava aulas ali perto e de certa forma já conhecia os miúdos e as famílias da Quinta da Fonte.

Os apoios que a Catarina fala não surgiram inicialmente, vieram decorrentes do reconhecimento do trabalho que iam fazendo?

CA: Tudo isto foi um caminho. À medida que íamos conquistando algo, íamos procurando mais apoios para irmos mais longe. Ao associarmo-nos a algumas instituições e escolas, ganhámos reconhecimento nalguns circuitos que levaram a que outro tipo de instituições e empresas nos apoiassem.

Sentem que há um maior reconhecimento externo ao Concelho do que internamente?

CA: Nós também atuamos na nossa casa e convidamos as individualidades e instituições com as quais colaborávamos antes, mas elas deixaram de vir.

Sentem-se desprotegidos?

SA: Sim. É claro que nós também fazemos esse papel de produção, de procurar que os espetáculos do IBISCO passem a fronteira. Trazer público a estes bairros e dar a oportunidade aos participantes dos espetáculos de explorarem outros palcos e quanto maior, melhor. Recebemos convites pontuais, muito circunscritos, do departamento da cultura para participarmos em alguns eventos, mas não podemos viver, exclusivamente, da boa vontade de ir a esses sítios sem contrapartida. Um espetáculo do IBISCO tem custos elevadíssimos. A qualidade artística tem um custo pessoal de dedicação e tem custos de produção. Portanto, todos os convites que nos são direcionados é com base na boa vontade de estarmos presentes. O que leva a que às vezes tenhamos de recusar alguns convites, que passam precisamente unicamente pela boa vontade.

CA: São mais despesas do que propriamente ganhos. Às vezes achamos que a experiência vale a pena para os jovens, que vale a pena o esforço, mas a verdade é que precisamos de retorno financeiro que nos permita subsistir e precisamos de ter condições para produzir mais e melhor. Por um lado gostam do trabalho, por outro desvalorizam todo o empenho e custos que existem, financeiros e humanos, para montar o espetáculo. O problema deste tipo de estruturas e a forma como foi gerido na Câmara pode não ter ajudado, pois o facto de nos terem empurrado sistematicamente para a área social, sem nos darem a hipótese de termos um pé na cultura tem sido determinante.

Todas as estruturas que nos ajudam fora do Município fazem-no, precisamente, pela cultura, pelo trabalho artístico que nós desenvolvemos.

É possível dissociar uma coisa da outra?

CA: Não é possível dissociar uma coisa da outra. Trabalhamos pela arte, pelo que achamos importante, a existência da cultura e da arte e do que pode fazer pelas pessoas. Isso depois pode ter consequências económicas, sociais, mas o principal caminho é artístico.

SA: As pessoas aproximam-se e participam no Teatro, não havendo critério de seleção e este é o princípio máximo da democratização da cultura. Estamos a falar de acesso à prática artística sem qualquer constrangimento.

A representação abre novos horizontes e esse é o começo. A base é cultural e só depois é que se alcança a integração social?

CA: Os temas que escolhemos também influenciam. Não se usam não atores para fazer teatro. É uma estrutura pensada para não atores e que lhes permite ter ferramentas de cidadania para pensar nos seus direitos, sobre a sua vida.

Tendo em conta que na Quinta do Mocho, através da Galeria de Arte Pública (GAP), existe um processo que dá orgulho ao bairro, não faria também sentido o IBISCO ser um motivo de orgulho para a Quinta da Fonte?

CA: É preciso que haja interesse em apanhar as coisas que têm valor e haver interesse em valorizar o que dá futuro às pessoas. O IBISCO não tem o caráter público no nome, é preciso querer.

Diz-me que a GAP tem o caráter público que o IBISCO não tem. Não é possível inserir essa característica no Teatro, um apoio e divulgação municipal mais evidente?

SA: O Teatro IBISCO produziu “O Bairro i o Mundo” na Quinta da Fonte, com a ideia de limpar a imagem de um bairro que era visto publicamente como um espaço de violência, dando visibilidade às pessoas, mostrando que acontecem aspetos positivos no bairro.

Limpar a cara ao bairro com intervenções artísticas, com a arte a fazer o seu papel de criação, em que os artistas eram convidados a trabalhar com os jovens, com as crianças, com os moradores, de uma forma integrada.

CA: No final do festival “O Bairro i o Mundo” a palavra final foi “Conseguimos”. Daí, a Câmara agarrou no conceito do projeto e deu-lhe um novo nome e seguiu com a GAP. “O Bairro i o Mundo” tinha como função divulgar as pessoas do bairro, promoção humana e o trabalho comunitário, que permite a um bairro ultrapassar barreiras.

Tinham previsto uma terceira edição?

SA: Sim, em bairros a precisar de reabilitação física e humana.

Sentem–se tristes por esse trabalho ter sido interrompido?

SA: Sim, ficou uma parte do sonho por cumprir e temos esperança que isso se concretize um dia.

Uma das peças importantes no começo foi o Miguel Barros, que saiu há algum tempo. Como tem sido lidar com a ausência dele?

CA: Nunca ninguém sai do Teatro. Ainda que deixes de ter uma permanência física ou um cargo, a ligação emocional nunca se quebra e o Miguel continua a ser uma peça fundamental nas ideias que tem e na estrutura do Teatro.

SA: Nunca ninguém deixa de ser IBISCO. Eles são autores IBISCO, que é mais do que outra coisa qualquer. É uma experiência que não se larga.

Houve momentos, como os da Isabel Santos e do Bruno Semedo, que foram escolhidos para fazer parte do elenco de novelas. Sente que é uma situação motivadora para os restantes membros?

SA: Nunca alimentamos esse sonho nas crianças, não colocamos como objetivo. Independentemente disso, sempre procurámos que elas tivessem novas oportunidades.

À medida que fomos tendo mais reconhecimento, as pessoas começaram a recorrer até nós com maior frequência. Já tivemos jovens nossos a participar em curtas de cinema. A Isabel e o Bruno deram rosto à esperança e todos podem sonhar em atingir essas metas.

O trabalho desenvolvido não se resume ao sucesso ou insucesso de cada um, mas este fator não poderia ser um reforço positivo para as instituições investirem no vosso trabalho?

CA: “Quando cheguei aqui, eu era um miúdo mal comportado e sem futuro. Agora sou diferente”, contou-nos um jovem. Esta história deveria servir para que as pessoas à nossa volta tivessem vontade de contribuir.

SA: Abriram-se mais portas do que aquelas que se fecharam. Tivemos reconhecimento e validação desde o ISCTE, o Programa Escolhas, do Barclays, da Gulbenkian e também a comunicação social deu–nos apoio em termos de divulgação do nosso trabalho.

Sentem que são vistas como voluntárias e não como técnicas de representação?

SA: Muito do nosso trabalho é voluntário e muitas pessoas se juntam a esta estrutura de forma voluntária, mas não se mantém uma estrutura, que é regular, num voluntariado que implica muitas horas.

CA: Voluntariado é muito bonito, mas precisamos de outro tipo de apoios para termos subsistência.

Para finalizar, o IBISCO tem uma nova peça, “My body, my rules”, que depois de estrear no IPDJ vai estar no ISCTE no próximo dia 6 de dezembro. Em que consiste?

CA: “ My Body, my rules” é uma co- produção com a Comissão Nacional para a Promoção de Direitos de Proteção de Crianças e Jovens e foi um espetáculo pensado para assinalar o dia Europeu contra a exploração e contra o abuso sexual de menores.

Este espetáculo é direcionado para essa temática. Foi a primeira vez que trabalhámos para um espetáculo com esta dimensão, com um texto escrito. No dia 15 vamos também estar com quatro turmas no auditório da Biblioteca de Marvila, portanto acreditamos que esta peça está a cumprir com o que se propôs, que é um processo duro pela exigência do texto e pelo tipo de personagens.

 

Pedro Santos Pereira

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